Waterworld: modificações corporais no cinema

Waterworld é um filme de 1995. Foto: reprodução/etsy

Pensando o poder da indústria cinematográfica na construção da cultura corporal, vamos analisar alguns filmes – como já fizemos anteriormente – que tratam ou retratam as modificações corporais em seus roteiros.

Analisaremos aqui a presença das modificações corporais no filme Waterworld (EUA, 1995) dirigido por Kevin Reynolds e Kevin Costner (não creditado).

A sinopse do filme diz que:

“Em meados do terceiro milênio, em razão do derretimento das calotas polares, a Terra se tornou um lugar sem terra sólida e a população vive em barcos ou em ilhas artificiais. Neste contexto, um ser anfíbio (Kevin Costner) vive comercializando tudo que é possível, inclusive terra pura e, após ser preso injustamente, é libertado por uma comerciante (Jeanne Tripplehorn) que exige que ele a leve embora e junto com eles uma garota (Tina Majorino), que tem nas costas o mapa para se chegar a Terraseca, o único local com terra firme. Mas o chefe (Dennis Hopper) de uma gangue resolve persegui-los, pois também deseja encontrar este local.”

Waterworld é um filme de ficção científica que se aproxima muito da estética e ambientação da franquia Mad Max (1979, Austrália), com a diferença que se trata de um universo que é imerso em água, enquanto o outro em areia.

É mais um filme de grande orçamento que tem como protagonista – e herói – o homem branco de olhos azuis, heterossexual e cisgênero. É mais um filme que mais de 95% do elenco é branco. É mais um filme em que a mulher é tratada como mercadoria e com uma agressividade sexista.

Analisaremos daqui em diante as modificações corporais presentes no filme e como foram representadas.

ORELHA DE HOMEM HETEROSSEXUAL PERFURADA

O protagonista do filme é Mariner (Kevin Costner), um ser mutante e anfíbio. Ele é geneticamente modificado e possui guelras e membranas envolvendo os dedos do pé. Mariner tem a sua orelha perfurada e usa como adorno uma pequena argola e presa nela uma espécie de concha.

O adorno é parte da composição do visual do personagem. Não há questionamentos sobre a presença da grande concha que ele carrega em sua orelha na ficção e nem dúvidas sobre sua qualidade enquanto herói.

Diferentemente na realidade, isto é, no tempo em que o filme foi lançado, que não era comum homens heterossexuais e cisgêneros usarem adornos similares sem escaparem de questionamentos que colocariam em dúvida suas orientações sexuais (de modo pejorativo) e até as suas índoles.

Mariner é o protagonista do filme. Foto: reprodução/Slash Film

COSTAS COM TATUAGEM

A personagem Enola (Jeanne Tripplehorn) é uma criança que carrega em suas costas um mapa tatuado. É chamada em alguns momentos pelos piratas que querem capturá-la como a “menina da tatuagem”.

A tatuagem traz alguns símbolos chineses e figuras que apontam para a terra firme, local que ainda preserva uma quantidade de terra habitável no meio da vestidão das águas.

O desenho e os símbolos chineses nos colocam diante de uma cultura oriental. No entanto a personagem de Enola é uma criança branca, loura e de olhos azuis. A confusão se amplia quando no final eles chegam na cabana, onde Enola possivelmente viveu, e encontram os equipamentos usados para produção da tatuagem, muito similar ao tebori, acompanhado de outros ideogramas.

Em todo caso, a tatuagem é presentada no longa como algo valioso e precioso e que precisava ser protegido. Assim como a perfuração da orelha, que trazia um outro valor estético e cultural, a tatuagem em Waterworld se apresentava de modo positivo, o que para o período era a construção de uma nova narrativa.

Importante lembrar que ideogramas se tornaram muito populares nas tatuagens ocidentais no final dos anos 90 e primeira década dos anos 2000. Talvez o filme tenha – em sua medida – contribuído com isso.

Enola carrega em suas costas uma tatuagem. Foto: reprodução/Tattoos in filme