É comum – ainda que seja problemático – o discurso de que pessoas com modificações corporais visíveis estejam fadadas ao fracasso, a derrota e ao limbo. Como gente que não é mais gente. Como se esse corpo – que é político, assim como todos o são – fosse o retrato fiel e real da degradação moral e estética, e assim, de uma pessoa que não obteve e não seria capaz de obter sucesso na vida, seja lá o que isso queira dizer. Acima de tudo, aquela pessoa que modifica o corpo se torna incapaz de produzir e atender as demandas – inclusive estéticas – de produção e reprodução do sistema capitalista. A expressão “rasgou o RG” parte da premissa que dependendo do que se faça com o corpo, você não serve mais para nada. Não estranharia em saber que as pessoas que utilizam esses discursos são as mesmas que o fazem como quem usa a noção de fracasso do outro, para se sentir bem com a sua noção de sucesso, e por mais que seja uma falácia, está quase sempre atrelada ao capital e bens materiais. É a lógica de quem precisa da miséria para se sentir de algum modo superior. Que fim ao cabo caminha de mãos dadas com o capitalismo, em outras palavras, precisa produzir riqueza para poucos de um lado e a miséria para muitos de outro.
Ora, todo esse discurso de corpo fracassado e inútil se esquece e não leva em consideração que a modificação corporal é uma prática cultural presente em diversos tempos e espaços. Não leva em consideração a importância da diversidade. Trabalha com uma via normativa de mão única e uma visão binária, maniqueísta e bastante limitada de mundo. Assim, enquanto uma maioria alimenta esse discurso raso, precisamos dizer que em 2013 na República Tcheca tivemos Vladimir Franz como candidato à presidência, com 90% do corpo tatuado, além de outras modificações corporais visíveis. Ainda, Franz é doutor em Direito, artista plástico, compositor e professor de teatro em uma das principais universidades tchecas. Além dele temos o jornalista suíço Etienne Dumont, um crítico de arte e cultura bastante respeitado com atuação no jornal Tribune de Genève e que, tem o corpo inteiro tatuado, implante na cabeça e alargadores nas orelhas e lábio.
Obviamente que citar apenas alguns poucos exemplos de homens brancos europeus não nos deixa totalmente confortáveis, mas apesar dos pesares, o fazemos para mostrar que é uma realidade e um movimento que já está acontecendo e que em breve os exemplos serão tantos que não poderemos mais mensurar. No Brasil já é possível vislumbrar um porvir interessante e não se trata de um mero devaneio e otimismo tolo. As artistas Priscilla Davanzo e Sara Panamby estão circulando dentro da academia, nos processos que rondam suas titulações de doutoras, ambas com os corpos alterados por técnicas como tatuagem e piercing. O filósofo Rodrigo Vilalba é mais um nome para endossar a lista, ele tem o corpo bastante tatuado e atua como professor em cursos de design e moda há mais de 16 anos. Somando ao grupo e colaborando com a discussão, temos o professor da Universidade Vila Velha, Espírito Santo, Pablo Ornelas Rosa, com inúmeras tatuagens visíveis. E é justamente com ele que conversamos sobre diversas questões que rondam o corpo, autonomia, drogas e sociedade.
Pablo Ornelas Rosa tem pós-doutorado pela Universidade Federal do Paraná e experiência na área de Sociologia Política, desenvolvendo pesquisas sobre Juventudes, Criminalidades, Segurança Pública, Políticas Públicas em Saúde, Governamentalidades, Biopolítica, Racionalidade Neoliberal, Elite Econômica e Anarquismos. É autor dos livros “Rock Underground: Uma Etnografia do Rock Alternativo” (Radical Livros, 2007), “Juventude Criminalizada” (Insular, 2010; 2013), “Sociologia Política” (Ed. IFPR, 2013) em co-autoria com Rodrigo Guidini Sonni, “Drogas e a Governamentalidade Neoliberal: Uma Genealogia da Redução de Danos“(Insular, 2014) e organizou com Rosângela de Sena e Silva “Juventude, Ativismo e Redução de Danos” (Ed. Casa/ Ministério da Saúde, 2010), além de artigos científicos publicados em revistas especializadas.
Falar sobre todas essas questões é, sobretudo, ao mesmo tempo girar a roda das transformações das mentalidades, para que um dia tenhamos pessoas com modificações corporais dentro da área do Direito, da Medicina, da Física e das mais refinadas tecnologias e ciências.
Confira abaixo a entrevista exclusiva.
T. Angel: Vamos começar a nossa conversa falando sobre o corpo. Quais as modificações corporais que o professor teve e tem hoje?
Pablo: Hoje tenho apenas alargadores nas orelhas e tatuagens por todo o corpo. Entretanto, já tive piercings em várias partes do corpo como mamilo, nariz, língua e lábios.
T. Angel: Você tem tatuagens em partes bastante visíveis do corpo – tais quais pescoço e mãos -, isso em algum momento da sua carreira teve efeito negativo?
Pablo: Quando comecei a tatuar, há pouco mais de 20 anos atrás, os meus amigos diziam que eu havia rasgado o meu “RG”, ou seja, havia rasgado a minha cédula de identidade. Mas, como escolhi trabalhar em uma área que não é muito conservadora para questões estéticas como as ciências sociais, nunca sofri nenhum tipo de preconceito. Além disso, é importante destacar que antes de trabalhar como professor e pesquisador, eu era músico e tocava em bandas de rock. Naquele época, a tatuagem me situava e me inseria, pelo menos do ponto de vista estético, de maneira mais veemente a essa cultura do que os roqueiros que não tinham tatuagens. Portanto, dependendo da área de trabalho e da perspectiva do sujeito, a tatuagem pode operar de maneira negativa ou positiva. No meu caso, creio que as tatuagens e modificações corporais operaram de maneira muito mais favorável do que negativa.
T. Angel: Em uma história recente, corpos marcados com a tatuagem eram colocados em uma margem, subalternizados. Ainda hoje o senso comum diz que pessoas tatuadas – ou com as demais modificações corporais – não terão um bom futuro. Essa foi uma questão presente em sua trajetória?
Pablo: Em alguns espaços, sobretudo, naqueles vivenciados por pessoas conservadoras e cheias de preconceitos esse tipo de comentário é bastante frequente, mas o mundo hoje está muito mais aberto para esse tipo de cultura e manifestação artística do que há alguns anos atrás. Entretanto, infelizmente ainda vemos muito preconceito por parte daqueles que dizem amar o próximo, se colocando na condição de “cidadãos de bem” e que no fundo apenas visam transformar o mundo a sua imagem e semelhança, não reconhecendo e aceitando as diferenças que existem e continuarão existindo entre as pessoas.
T. Angel: Na palestra ‘Drogas, alimentos e corporalidades: problematizando éticas e estéticas da existência’, você apresenta fatos que mostram que a noção do que é saudável ou não, droga ou não é parte de uma construção social e manipulação do Estado e grandes corporações, em suma que atendem as premissas de manutenção do capitalismo. Comente-nos sobre essa sua problematização.
Pablo: As drogas sempre fizeram parte da nossa vida, estando presente em praticamente todas as civilizações das quais temos conhecimento. Contudo, em determinado momento da história da modernidade, passamos a estabelecer de maneira arbitrária e, principalmente, a partir de interesses políticos e econômicos, que umas substâncias são supostamente mais prejudiciais que outras, resultando na criminalização daqueles que produzem, comercializam e consomem aquelas substâncias psicoativas tratadas pelas legislações mais recentes como ilícitas. Foi através desse modelo proibicionista moderno iniciado nas primeiras décadas do século passado nos EUA e difundido pelo mundo que passamos a associar determinadas substâncias à determinados grupos étnicos que deveriam ser contidos porque ameaçavam a suposta ordem daquele país. Hoje, é essa proibição que eleva o valor desses produtos em decorrência de sua ilicitude, engendrando novos outros mercados como as redes de comunidades terapêuticas, redução de danos, PROERD, além da privatização de presídios e da potencia ostensiva da polícia em invadir comunidades de maneira extremamente violenta sob o discurso da condição de vulnerabilidade e risco social, conforme ocorre com as UPPs e genéricos, a exemplo das UPSs, no Paraná.
T. Angel: A Professora Gilberta Acselrad (UERJ) afirma que a política antidrogas é um problema. O que pensa sobre essa questão?
Pablo: Concordo plenamente com ela. Creio que é exatamente a proibição das drogas, que gera aquilo que os presidentes estadunidenses Richard Nixon e Ronald Reagan chamaram de “guerra às drogas”, que mata. No meu entendimento, a proibição das drogas, que gera essa “guerra as drogas”, mata muito mais do que as próprias substâncias que são proibidas. Além disso, é exatamente por meio dessa guerra em nome desses produtos que vemos emergir novos negócios que poderíamos chamar de um economia política do crime. Na verdade, a política antidrogas se fundamenta muito mais na desinformação sobre o que são essas substâncias, amparada na construção de um pânico moral, do que na proposição de um debate sério sobre essa questão. Mas, tudo isso é importante para continuar mantendo esse mercado que eleva o valor dessas substâncias, promovendo a criminalização da pobreza, o encarceramento em massa e um número de mortos como jamais visto na história de nosso país, ou seja, uma verdadeira “caça às bruxas”, em que as bruxas são os jovens pobres moradores de comunidades periféricas.
T. Angel: Como você enxerga a legislação brasileira sobre as drogas?
Pablo: Eu vejo a legislação brasileira tão retrógrada e punitivista quanto vejo as atuais condutas dos deputados e senadores do nossa país, ou seja, encontram-se muito mais preocupados em garantir seus currais eleitorais e seus compromissos com as empresas que os financiam do que com questões como essa, que supostamente colocam em xeque sua condição de profissionais na política. A última lei sobre s drogas datada de 2006 emergiu com um discurso fundamentado na dissociação da condição de usuário de droga e de traficante, contudo, o que vimos foi um aumento significativo na população carcerária brasileira que, segundo o Mapa do Encarceramento publicado pela presidência da república em 2015, cresceu em média de 2005 à 2012 em 74% e, curiosamente naqueles estados que iniciaram o processo de privatização esse crescimento foi acima de 600%, a exemplo do estado de Minas Gerais que em 2005 tinha 6.289 presos e em 2012 passou a ter 45.540 presos. Portanto, estamos falando de negócios potencializados pela guerra as drogas que contribuem direta ou indiretamente no financiamento de campanhas políticas e nas decisões tomadas por esses sujeitos que supostamente representam os interesses da sociedade.
T. Angel: É muito comum a presença de instituições religiosas em clínicas de reabilitação. Especificamente as neopetencostais oferecem a reabilitação, mas também um processo de colonização e doutrinação bastante forte. Gostaria de ouvir suas impressões sobre essa prática.
Pablo: Hoje a proibição das drogas está engendrando distintas estratégias não apenas de captura e governo das condutas e almas dxs indivíduxs, como está transformando isso em negócio. O crescimento das comunidades terapêuticas tem me deixado bastante preocupado. Mas, a minha preocupação não se dá exclusivamente pelo fato de termos pessoas despreparadas do ponto de vista técnico para tratar daquelxs que eventualmente têm problema com o consumo de drogas, ou seja, por termos pessoas que acreditam que basta ter boa vontade e um bíblia embaixo do braço para tratar daqueles que não conseguem ou muitas vezes não querem parar de usar certas substâncias psicoativas, a minha maior preocupação é com a imposição à sociedade na crença de que a única forma de tratar de problemas decorrentes do consumo de drogas se dê apenas por meio da abstinência, o que seria um enorme equívoco com consequências drásticas àqueles que não se encaixam em certo padrão imposto, sobretudo, através de uma perspectiva de cunho religioso. Contudo, temos visto a intensificação de lobbies por parte dessxs religiosxs que têm ganhado muito dinheiro com convênios com prefeituras, recebendo recursos privados e, inclusive, se organizando em redes para garantir a perpetuação desse modelo de tratamento por meio da abstinência. Por outro lado, os Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas -CAPS/AD que, de fato, possuem técnicos com formação realmente na área da saúde e com especialistas em outras perspectivas muito mais progressistas e includentes, como, por exemplo, as políticas de redução de danos, têm recebido cada vez menos atenção e recursos. Quando falamos do exercício de poder político através de grupos religiosos que reiteram elementos seletivos e excludentes de uma racionalidade neoliberal estadunidense, conforme diria Foucault ao tratar da apresentação do sujeito da nossa época, chamado por ele de homo economicus, temos configuração política um tanto quanto perigosa do ponto de vista da ameaça as liberdades e do agenciamento através de uma verdade que opera pela exclusão e/ou eliminação do diferente, pecador, doente, bandido, enfim, por algo que representa a figura do inimigo e que possa resultar em algum tipo de ganho financeiro.
T. Angel: Em sua fala na UFMT fica claro que o professor acredita que o corpo criminoso está, sobretudo, debruçado em um conceito racista e classista. Por que muito pouco se fala sobre isso nas grandes mídias?
Pablo: Segundo Stanley Cohen, a noção de pânico moral, que foi extraída das investigações de Jock Young para tratar das supostas ameaças aos valores e interesses sociais que uma condição, episódio, pessoa ou grupo de pessoas reivindica através de uma apresentação estilizada e estereotípica proveniente da opinião pública e da grande mídia corporativa, serve muito bem para explicar essa condição que chamei de corpo-criminoso. Primeiro, por que passamos a associar determinados corpos à certas condições, dentre elas a condição de criminoso. Essa, por sua vez, está associada a imagem que passamos a incorporar e reproduzir, ou como diria Foucault, governamentalizar, a ideia de que existem umas pessoas que aparentam ser mais perigosas que outras. Curiosamente, essas pessoas se vestem de uma determinada forma, aparentam residir em determinados bairros, são de determinada cor, usam determinadas marcas, possuem determinadas condutas e socializam a partir de determinados valores. O papel dos meios de comunicação, dentro dessa ótica do pânico moral, corrobora a construção de certas verdades que são governamentalizadas pela população que passa a buscar conter esses supostos sujeitos perigosos que ameaçam a “nossa” segurança, como diria Bauman ao tratar do que chamou de maneira provocativa de “pessoas supérfluas”, “lixo humano”, “consumidores falhos”, ou seja, “eles”, os “perigosos”. Contudo, cada vez mais somos convocados a compartilhar esse medo, que engendra um outro mercado eleitoral, que temos chamado na criminologia crítica e no abolicionismo penal de populismo criminal ou penal, que no caso brasileiro é representado pela chamada bancada da bala, que visa adoção de políticas cada vez mais repressivas.
T. Angel: Conte-nos um pouco sobre a atual política de redução de danos?
Pablo: No meu entendimento, as políticas de redução de danos são as práticas mais progressistas na atualidade no que se refere ao tratamento daquelas pessoas que eventualmente possuem algum tipo de problema com o consumo de substâncias psicoativas, isso sem falar em sua abordagem preventiva que possui reconhecimento internacional não apenas da comunidade científica, mas, e sobretudo, daquelas pessoas que efetivamente foram usuários de drogas veementes e que aprenderam a controlar o seu uso, administrando suas vidas. No entanto, na pesquisa que resultou no livro que publiquei intitulado “Drogas e a Governamentalidade Neoliberal: Uma Genealogia da Redução de Danos”, procurei apresentar alguns problemas dessa política, provenientes da captura da condição de capital humano por parte das ONGs que começaram a vislumbrar potencialidades de ganhos com esse nem tão novo mercado advindo das políticas de prevenção de DST/Aids.
T. Angel: A ANVISA hoje tem sido bastante criticada por diversos profissionais de distintas áreas, por exemplo, pelos profissionais do fisiculturismo e até mesmo profissionais da tatuagem. Como o professor enxerga a instituição?
Pablo: Creio que estamos vivendo uma época em que o corporativismo afirmado pela legitimidade da ciência moderna enquanto saber legítimo está nos mostrando sua verdadeira face política e econômica. Segundo Bourdieu, a ciência busca sua legitimidade pelo monopólio da verdade. Contudo, temos visto que o campo científico não apenas está tomado por interesses políticos decorrentes da legitimidade dos trabalhos de investigação e o exercício desses capitais enquanto poder, como tem sido tomado por interesses econômicos. Sendo assim, como é possível a ANVISA insistir na proibição de determinados alimentos e drogas altamente benéficos, como a semente do cânhamo (cannabis) tida por muitos pesquisadores, dentre eles Antônio Escohotado, Renato Malcher-Lopes, Sidarta Ribeiro, etc., como um dos alimentos mais proteicos do mundo e aceitarmos drogas e/ou alimentos extremamente prejudiciais a nossa saúde como, por exemplo, alimentos transgênicos, que segundo o pesquisador da Universidade da Califórnia, Ignacio Chapela, antecipam determinados tipos de câncer.
T. Angel: O Brasil é um dos maiores consumidores de agrotóxicos do mundo, inúmeras pesquisas apontam isso e o professor traz esse dado em sua fala. O que tem sido feito para combater essa questão e quais os riscos potenciais para a população?
Pablo: Segundo o livro “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na sáude”, resultado de um relatório publicado pela ABRASCO a partir de pesquisa realizadas pela Fiocruz, certamente um dos institutos mais sérios de pesquisa em saúde no Brasil, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Além disso, a própria ANVISA reconhece essa condição, contudo, não podemos esquecer que temos como ministra da agricultura uma figura que representa o setor do agronegócio, chamada Kátia Abreu, que já afirmou em outras ocasiões que não é possível produzir alimento orgânico para todas as pessoas. Obviamente, ela não está nenhum pouco preocupada com essa questão exatamente porque representa um setor que entra em conflito com uma abordagem que potencializa a agricultura familiar, a produção de alimentos orgânicos e uma distribuição mais equitativa nos recursos e rendas provenientes desse tipo de cultivo mais sustentável e menos prejudicial tanto à nossa saúde quanto ao nosso planeta.
T. Angel: Acredito que tanto na questão das chamadas drogas quanto das modificações corporais a autonomia sobre si é deveras importante. Tanto uma questão quanto a outra estão postas na relação do sujeito e suas experiências no mundo. Como o professor entende a relação do Estado e da autonomia?
Pablo: Creio que devemos potencializar e garantir liberdades e não restringi-las como querem alguns políticos que visam transformar o mundo em sua imagem a partir de suas crenças. Concordo plenamente contigo que tanto a possibilidade de produção, comércio e consumo de drogas, quanto a autonomia sobre o corpo devem ser garantidas e o Estado não tem o direito de interferir nessas questões, a não ser de maneira preventiva no sentido de nos alertar para os eventuais prejuízos que essas escolhas podem nos trazer. Do ponto de vista político, me situo como anarquista e, inclusive coordeno junto com o querido amigo Paulo Resende, também professor no Programa de Mestrado em Sociologia Política da Universidade Vila Velha – UVV/ES, em que atuo como docente, o Grupo de Pesquisa Subjetividade, Poder e Resistência que possui uma perspectiva libertária situada principalmente a partir de perspectivas pós-estruturalistas, promovendo debates e investigações também sobre autonomia que pensam o campo político para além do Estado e suas instituições.
T. Angel: Um dos deputados que votou a favor da criminalização do eyeball tattooing no Brasil, o senhor Osmar Terra (PMDB-RS) é um dos políticos que mais tem lutado para aumentar a pena sobre as drogas e é favor do encarceramento de usuários. Gostaria que o professor comentasse o envolvimento desses políticos com a criminalização dos corpos e subjetividades, até mesmo amparado em suas leituras sobre Foucault.
Pablo: Como falei anteriormente, quando falamos sobre aumentar penas, punições, vingança, ódio, crime, estamos tratando de mercados que envolvem muito dinheiro. Um dos mercados mais emergentes e que trazem ganhos mais diretos ao utilizar o espaço político-institucional no campo da segurança pública é o da repressão às drogas que resulta no encarceramento em massa de populações pobres. Em duas de suas pesquisas que resultaram nos livros “As Prisões da Miséria” e “Punir os Pobres”, o professor da Universidade da Califórnia, Loïc Wacquant, mostrou que o sistema carcerário estadunidense que possui a maior população prisional do mundo está entre os maiores empregadores daquele país, responsável pelo financiamento de campanhas e pela passagem do welfare state para warfare state. Portanto, o discurso de Osmar Terra não apenas pressupõe um mercado que provavelmente financia sua campanha, como esse tipo de discurso também opera a partir do pânico moral como mercadoria política amparada naquilo que chamamos de populismo criminal ou penal.
T. Angel: O professor tem publicado livros sobre a questão das drogas, ativismo e juventude. Fale um pouco sobre a experiência em difundir esses assuntos e como as pessoas podem adquirir os seus livros.
Pablo: Desde a conclusão do curso de graduação em ciências sociais tenho achado importante transformar as minhas pesquisas em livros com o propósito não apenas de divulgar o meu trabalho, mas principalmente de potencializar debates, tornando acessível a minha produção também em livrarias. Sempre tive interesse por assuntos que de alguma maneira estavam presentes na minha vida e isso fez com que eu passasse a analisa-los a partir de técnicas que aprendi durante a minha formação acadêmica. Os meus livros podem ser adquiridos em quaisquer livrarias do país, no site das editoras ou, no caso dos livros esgotados e/ou digitalizados, é só me enviar um email que os envio em pdf.
T. Angel: Você acredita que a cannabis será legalizada no Brasil?
Pablo: Tendo escolhido uma carreira acadêmica nas ciências sociais, aprendi com algumas teorias e autores, dentre eles Nietzsche, Foucault, Deleuze e Guattari, que as verdades são produzidas por relações de força que operam também a partir do exercício de saberes e poderes, algo que passei a utilizar em minhas pesquisas. Além disso, aprendi com Weber que não devemos adotar uma leitura teleológica e determinista da história mostrando como será o futuro. Sendo assim, embora não possa dizer se a cannabis será ou não legalizada no Brasil, posso afirmar que as forças favoráveis a sua legalização estão se intensificando cada vez mais, tendo como suporte pesquisas científicas que mostram não apenas os riscos mínimos provenientes desse tipo de consumo, como também reconhecem suas inúmeras possibilidades terapêuticas, além de suas propriedades alimentares e demais possibilidades. Por outro lado, as forças conservadoras que operam na política institucional também estão cada vez mais intensas e repressivas. Acredito que temos que alimentar as nossas vidas e nossas relações cotidianas com o próximo com compaixão e amor, não com sentimentos de ódio, punição, vingança e busca pela eliminação do outro, do diferente. Contudo, hoje no Brasil, aqueles que tem cada vez mais proferido discursos em nome de deus, são aqueles que mais reivindicam a intensificação das mazelas buscando garantir a manutenção de seus interesses privados. E o mais curioso disso tudo é que o proibicionismo diz mais que quem o defende do que quem busca combater.
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