Recife: Galeria procura explorar potencialidades entre tatuagem e arte contemporânea

Promover a experimentação nas artes visuais é a proposta do espaço, no Pina

 

A mostra Combustão, do artista plástico João Lin, marca a estreia do novo espaço das artes visuais no Recife, no próximo dia 17. Trata-se do ZV Studio e Galeria, na Galeria Joana D’Arc, no Pina, que se configura como um ambiente híbrido de estúdio de tatuagem e local de experimentação com exposições, debates, cursos e residências artísticas. A proposta de Nando Zevê, artista, tatuador e idealizador do formato, é possibilitar experimentações entre as diversas expressões das artes visuais e conferir o que brota dessa mistura.

Tela Combustão. Foto: divulgação
Desenho Combustão. Foto: divulgação

A tatuagem é um fenômeno que se deu em diferentes partes e povos do mundo, cada um com suas técnicas e propósitos, fossem eles combativos, religiosos ou culturais. Os primeiros registros remontam aos anos 2.000 a.C, tendo a primeira máquina elétrica de tatuagem sido patenteada no século XIX, em 1891. Fato é que, nesses milhares de anos, a reprodução de padrões sempre foi uma constante. Ou era, até pouco tempo atrás. A evolução das técnicas e materiais utilizados para a pintura corporal permanente e a popularização da tatuagem fez com que começasse a surgir, a partir do início dos anos 2000, uma geração de artistas com trabalhos totalmente inovadores.

Essa consciência das transformações ocorridas na linguagem artística foi o que motivou Zevê a abrir, no estúdio – que funciona na Galeria Joana D’Arc desde 2011 – uma galeria de arte. “Com a evolução da tecnologia, máquinas mais precisas, qualidade das tintas e das agulhas, elevou-se o nível técnico da tatuagem e os tatuadores estão experimentando cada vez mais. E onde é que essa nova tatuagem se encaixa? É só tatuagem ou ela começa a entrar pro universo das artes visuais? Ela é um meio termo disso? Tem vários questionamentos e a gente precisa discutir, porque o diferencial é que a tatuagem usa a pele como suporte da arte, depende do corpo pra funcionar. Depende de alguém que deseja levar consigo a obra de arte na pele“, instiga o artista.

Tatuagem feita por Nando Zevê. Foto: divulgação
Tatuagem feita por Nando Zevê. Foto: divulgação
Tatuagem feita por Nando Zevê. Foto: divulgação

O ZV Tattoo e Galeria procura agregar as variadas formas de manifestação da imagem, estimulando a criatividade por meio de trocas de experiências entre artistas locais, nacionais e internacionais. Zevê, que começou no desenho, passou pela pintura, agregou as artes urbanas e firmou-se na tatuagem, convidou para a abertura o artista visual João Lin, que está trilhando um caminho inverso ao de Nando. Depois de muita produção de quadrinhos, gravura, desenho, ilustração e intervenção urbana, João está se arriscando no universo da tatuagem, sob a batuta de Zevê. As conversas entre os dois artistas começaram em 2016, quando Nando e Lin se conheceram produzindo juntos para o projeto Vitrocerâmicos. Em abril deste ano se deu o desdobramento, com uma troca de conhecimentos entre os dois. “Eu dei aula de desenho pra ele, e ele de tatuagem pra mim“, conta o ilustrador.

Fascinado com a projeção dos desenhos sobre a pele, João concorda que as intersecções entre as linguagens artísticas são um campo fértil. “A descoberta da tatuagem começou a influenciar o meu desenho. São questões técnicas, como a síntese, por exemplo. Eu sabia que era interessante pra mim sintetizar a imagem, mas na tatuagem isso se ampliou. E à medida em que eu comecei a interagir com esse novo suporte, vivo, que é a pele, e a ter essa relação muito mais orgânica, humana, com o suporte, foi uma coisa que me desestabilizou. Achei um pouco estranho e esse estranhamento me instigou a fazer coisas diferentes do que eu vinha fazendo. Quando Nando me convidou pra fazer a exposição, entendi que seria uma grande oportunidade de botar na rua esse olhar que está surgindo, muito influenciado pela tatuagem“, fala Lin.

Fogo – Na mostra Combustão, que será exibida pela primeira vez na abertura do ZV Tattoo e Galeria, João Lin reúne 12 trabalhos, entre pinturas, desenhos e quadrinhos, alternando e misturando tinta acrílica e posca, sobre papel canson e tela. A pesquisa traz referências simbólicas do fogo, em diferentes cenários, a fim de incitar fusões e ressignificações acerca do mundo contemporâneo em que vivemos, incluindo aí o tenso cenário político e social observado no Brasil e no mundo.

Para Lin, a exposição é um momento de interação, não para apresentar o resultado de um trabalho, mas para revelar insights, clarões, intuições, no intuito de estabelecer diálogos a respeito desse elemento, o fogo, em nossas vidas. “A exposição nesse caso não é o fim, mas o início de um projeto em desenvolvimento. Sem essa obsessão pelo sucesso, a gente se coloca em uma posição de desprendimento que permite a disposição de se expor, nesse sentido, que hoje virou pejorativo, de se apresentar em processo, sem a segurança de um trabalho já maduro. É um trabalho em construção e essa é a ideia mesmo da exposição“, reflete João.

No dia da abertura, o público também será convidado a participar de uma vivência de desenho, a partir das 15h, inspirada no tema da exposição. Os trabalhos de João Lin estarão à venda e a mostra Combustão fica em exibição até 17 de dezembro. A visitação poderá ser feita de quarta a sábado, das 14h às 21h. Agendamentos para podem ser feitos por meio do agendamentozvtattoo@gmail.com. O acesso é livre.

O artista João Lin. Foto: Iezu Kaeru / divulgação

Nando Zevê – Provocar o universo das artes visuais é um exercício constante na história de Nando Zevê. Graduado em Artes Plásticas pela UFPE e tatuando desde 2006, o artista tem sempre procurado romper com as barreiras da tatuagem tradicional, o que traz mais originalidade aos seus trabalhos na pele. Mais recentemente, a pintura com tinta óleo começou a frequentar suas pesquisas e a técnica desenvolvida já está sendo aplicada no estúdio. “Eu uso a tinta óleo para projetar a tattoo. A partir dessa pintura eu faço uma fotografia e transfiro aquilo que vejo na foto, para a pele. Como uma técnica de tattoo hiperrealista. O resultado tem me agradado muito. Essa pesquisa também fez surgir, pela primeira vez no meu trabalho, criações de arte abstrata“, conta Nando.

O artista Nando Zevê. Foto: divulgação

Zevê também vem amadurecendo as provocações artísticas por meio de exposições, nas quais procurou reunir processos criativos de artistas-tatuadores do Recife, e desde o final de 2016 no próprio ZV Studio, que deixou de ser um estúdio individual de Nando para tornar-se um coworking, aberto para tatuadores que desenvolvem um trabalho autoral. “Parece que agora é a culminância de um trajeto. Venho martelando essa ideia há um tempo, que é um desejo meu de expandir a criação, mas que abre caminho para outras pessoas também“, explica o artista.

O desejo de mexer com a cena artística dos tatuadores em Pernambuco resultou nas primeiras edições da Mostra de Sketchs – O que vem antes da dor, realizadas em 2012 e 2013, na extinta Casa do Cachorro Preto. “A ideia era apresentar ao público o processo criativo dos tatuadores, mas o mais importante dessas experiências foi conseguir trazer a tatuagem para um formato de exposição mais tradicional. Aqui em Recife ainda não tinha visto nada parecido“, comenta.

A terceira exposição idealizada por Nando Zevê, com trabalhos autorais de tatuadores, acontece no dia 21 de outubro, como parte da programação do Festival No Ar Coquetel Molotov, no Caxangá Golf Club. Durante todo o dia, quem visitar o espaço poderá conferir uma exposição com obras de 11 artistas-tatuadores, além, claro, levar na pele alguns dos riscos disponíveis.

ZV Tattoo e Galeria – Desde 2011 a base de trabalho de Nando Zevê tem sido a Galeria Joana D’Arc, no Pina. Nesse meio tempo, em especial do final de 2016 pra cá, muita coisa mudou. Se antes o artista preferia um estúdio individual, a fim de personalizar o atendimento aos clientes, agora o estúdio é coletivo, se aproximando do universo do coworking. A ideia é fomentar uma cena de tatuagem autoral, estimular a troca de referências, técnicas e interseção de linguagens.

Além das vivências coletivas, quem integra o coworking tem a estrutura para tatuar e é oferecida a maior parte do material. “A gente trabalha num esquema de parceria. A proposta não é o lucro, mas transformar o espaço em autossustentável, a partir da colaboração de vários artistas“, explica Nando. O formato ainda está em processo embrionário, mas a ideia é que os recursos gerados a partir do coworking sejam revertidas para o estúdio em forma de ações de formação e de divulgação, por exemplo.

Para integrar o coworking, o tatuador deve ter um trabalho autoral e experiência na área. Quem tiver interesse em integrar o ZV Tattoo e Galeria deve enviar uma carta de apresentação e um portfólio com 10 fotos de trabalhos realizados nos últimos três meses ou o link do Instagram para o e-mail agendamentozvtattoo@gmail.com.

 

SERVIÇO
Mostra Combustão – Inauguração do ZV Tattoo e Galeria
Quando: Terça-feira, 17 de outubro, às 19h
Onde: ZV Tattoo e Galeria, que fica na Galeria Joana D’Arc, Herculano Bandeira, Pina
Visitação da galeria: quarta a sábado, das 14h às 21h
Agendamento: nandozeve@gmail.com

Entrada franca

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