Foto: Leonardo Waintrub | Dez anos de FRRRKguys | 2016
Descrição de imagem: Doug (in memorian) e T. Angel se beijam eu uma casa noturna durante a FRRRKparty. A parede ao fundo é toda grafitada.
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O dia era 21. O mês era junho. O ano era 2006. Eu tinha 24 anos. A vida era uma outra coisa, o mundo era uma outra coisa. E foi assim que – mais ou menos – tudo começou. Já contamos essa história por aqui e em outros espaços que querem escutar sobre essa experiência.
O dia é 21. O mês é Junho. O ano é 2021. Eu tenho 39 anos. A vida é uma outra coisa, o mundo é uma outra coisa. E é assim que – mais ou menos – estou aqui.
Hoje o FRRRKguys, nós, completamos quinze anos de vida e atividade enquanto uma plataforma, um projeto, um projétil que tem estourado bolhas. Fomos cruzando territórios, expandindo horizontes e borrando as fronteiras. Fomos atravessando o tempo. E é esquisito e complexo e, na maior parte do tempo, temos a sensação que começamos agora.
Hoje, nós, não vamos falar sobre o que ficou para trás e o que nos trouxe até aqui. Queremos falar sobre o amanhã, não com qualquer intenção boba de prever futuros, mas com o bem querer de rabiscar e imaginar possibilidades, justamente em um tempo em que experimentamos a finitude da vida e da esperança de uma maneira diferente. Em um momento em que nossas vidas e os nossos tempos estão sendo roubados. São mais de 500 mil vidas que se foram em nosso país, resultado de um trabalho efetivo típico de governos fascistas movidos pelo desejo da produção industrial da morte. E é aqui que estamos agora, sobrevivendo em uma pandemia e ao governo fascista que sabíamos que teríamos… E que sempre quis nos exterminar enquanto dissidências estéticas e políticas.
E o que vamos imaginar para o amanhã… O que é possível?
Vamos trabalhar agora para materializar a nossa experiência enquanto plataforma formatada em um livro. São quinze anos registrando e produzindo histórias sobre a comunidade da modificação corporal e suspensão. Os próximos cincos anos é o prazo para que isso ocorra.
Vamos trabalhar para espalhar – feito peste – o Manifesto Freak enquanto chamamento para um amanhã possível para comunidade da modificação corporal, cada vez mais assimilada pelo capital e normatividade compulsória. Lembre-se: comunidade da modificação corporal e comunidade freak não são as mesmas coisas. Tal qual ar é um elemento e fogo outro. Nós freaks somos labaredas. Pretendemos ser erupções vulcânicas. Vulcões. Erupções.
Vamos trabalhar para que tenhamos o Instituto Freak. Vamos trabalhar arduamente para que essa casa engraçada sem porta e com muitas janelas possa acolher, agrupar, abrigar. Que essa casa engraçada possa ser espaço de deformação e pulsação de vida criativa e transformadora. Que essa casa engraçada possa ser espaço de cura e cuidado. Que possa preservar e celebrar e homenagear as nossas memórias.
Vamos trabalhar para materializar a nossa experiência enquanto plataforma formatada em película. Pele fílmica. Escarificada. Marcada. Modificada.
Vamos trabalhar de agora em diante também pensando conscientemente sobre a nossa morte. Em nossa última transformação em conexão com o todo. É o que ficará…
Finitude. Impermanência.
E tudo aqui é rabisco. É imaginação. Pode ser que tenhamos tempo para realização, como que não. Mas tudo fica aqui como provocação. Convite, quem sabe… Mas fica.
Celebramos nossa estrada, nossa jornada, nossas conquistas, nossa permanência e celebremos ainda mais os nossos encontros tão raros e com vidas igualmente raras, esquisitas… Que vem, que vão e que ficam na pele feito tatuagem.
São quinze anos atravessando e sendo atravessada. É uma pequena vida. Tem sido uma grande dádiva.
Nossos mais sinceros agradecimentos para todes que acompanham e fortalecem o nosso trabalho.
Que tenhamos um amanhã possível.
Feliz dia do orgulho freak!
(Que por sinal está sendo lindo e nos chega feito ondas grandes, nos banham, nos inundam, nos curam. É o retorno do que plantamos. Que bom!)