(Procedimento realizado por Luna Cobra)
A gente sabia que em algum momento teríamos que escrever sobre isso. Longe de qualquer previsão do futuro metafísica e messiânica, o que tentamos fazer foram pequenas alertas de coisas que poderiam acontecer, com base na leitura do que estava se passando (e ainda está) e que (justamente por isso) não parou por aqui. Talvez a situação que apresentaremos adiante seja somente um começo torto de possibilidades bem piores que virão pela frente. Piores, pois essas ideias absurdas estão sendo abraçadas por parte da comunidade da modificação corporal, para não dizer incentivadas e forçadas por ela.
Vamos ao fato sem muitos delongas. O deputado federal Rogério Peninha Mendonça (PMDB-SC) apresentou um projeto de lei proibindo o eyeball tattooing no Brasil. Estamos falando do PL 5790/2013 que teve sua primeira apresentação em 19/06/2013 e atualmente tem a situação de “pronto para pauta na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF)”, conforme aponta o site da Câmara dos Deputados. O projeto de lei prevê pena por lesão corporal com a detenção do infrator podendo variar de 6 meses a 1 ano, amparado no artigo 129 do Decreto – Lei nº2.848, de 7 de 1940. A variação do tempo de prisão, como quase tudo em nosso país amado, caminha de acordo com a quantidade de dinheiro que você tem. Se você é rico, nem preso fica. Inclusive, se você tem dinheiro, umas férias na Europa já resolve o seu problema. Você viaja, posta foto do Iphone no Face, faz o procedimento lá e volta lindo e linda com os olhos coloridos. Pobre não, essa parte da população vai para o xadrez, se juntar com mais gente pobre. Falando nisso, nossas prisões nem estão super lotadas não é mesmo? Diferente das escolas, cada vez mais vazias… Mas isso é uma outra história.
Sobre o PL 5790/2013
Leia o projeto na íntegra CLICANDO AQUI.
Analisando o projeto de lei, chegamos a conclusão de que este é bastante raso e vago, como não poderia deixar de ser. O texto trabalha com o senso comum, reproduzindo o discurso de jornais sensacionalistas, não aparentando ter nenhuma pesquisa séria ou base histórica apropriada. Tanto é que o autor faz uma verdadeira salada de técnicas ao tentar relacionar o eyeball tattooing com a mudança de coloração da íris. Tudo bem equivocado, primário e superficial.
Não vamos aqui entrar no mérito de fazer uma extensa distinção entre ambas as técnicas, mas é preciso ter em mente que são situações pontualmente distintas, inclusive social e historicamente falando. Enquanto o eyeball tattooing, feito por body modifiers, tem um risco potencial inegável, não tem histórico de nenhum caso de cegueira até o momento. Os acidentes que se têm registros, ainda estão no campo das manchas em torno do olho, recorrente do vazamento da tinta. Já a alteração da coloração da íris, procedimento realizado por médicos e que tem um histórico pesado nos campos de concentração nazistas, tem causado cegueira mundo afora. Escrevemos algumas matérias sobre isso aqui, para quem se interessar.
A tentativa de agrupar as duas técnicas no mesmo pacote, como se fossem partes da mesma coisa, é um erro grave e que só mostra o total desconhecimento sobre os temas pelo o autor do projeto de lei.
Gostaríamos agora de destacar uma pequena parte do PL que diz:
“Não se trata de um preconceito contra práticas individuais e que só dizem respeito ao sujeito que as pratica, nem tampouco tentar impor um padrão de comportamento ou estético, mas a proteção da saúde de pessoas que podem estar, de forma desavisada e imprudente, a um passo da mutilação.”
Sim, o respectivo projeto trata em absoluto de um preconceito contra práticas individuais e sobre o direito de decidir individual e é um ataque direto contra a liberdade de expressão. Sim, o respectivo projeto impõe um padrão de comportamento a partir do momento em que proíbe e prevê a prisão daqueles que não concordarem com a proposição apresenta pelo senhor Deputado. Convenhamos que se o senhor Deputado estivesse de fato preocupado com a segurança da saúde da população, ele provavelmente estaria redigindo um outro tipo de texto, não este. Com essa ladainha e preconceito camuflado como boa ação, o senhor Deputado Peninha passa a impressão que desconhece a realidade da saúde pública no Brasil. Será? Já que falamos da questão da saúde ocular, o senhor deputado mui preocupado com o próximo como aparenta estar, deveria estar tecendo projetos para facilitar a vida das milhares de pessoas que dependem do SUS para realizarem seus tratamentos de glaucoma, ceratocone, catarata, uveíte e por aí vai. Provavelmente o Deputado Peninha não deve saber da dificuldade que é conseguir um tratamento de qualidade na rede pública e quantas horas uma pessoa precisa esperar em pé em filas ou sentada em bancos para conseguir um atendimento. Convidamos o senhor deputado a fazer uma visita ao Departamento de Oftalmologia da Unifesp, conhecer principalmente as pessoas que viajam milhas e milhas para ter um tratamento digno. Depois disso podemos falar sobre a preocupação com a saúde ocular do próximo.
Ah! Diga-se de passagem estou falando de uma parte da população brasileira que não passou pelo eyeball tattooing (que talvez nem saiba que isso exista) e que realmente precisa de alguém criando projeto de lei que a proteja de alguma forma.
E para finalizar, temos que dizer que o Deputado Peninha é um ferrenho defensor de que se revogue o Estatuto do Desarmamento, com o discurso de que a liberação de armas de fogo é para o bem da sociedade. Ora, senhor Deputado, o senhor realmente deve estar brincando com a nossa cara ou realmente não conhece a realidade do país em que vive. Se não conhece, o problema é bem pior do que parece. Nesse caso o eyeball tattoing é o menor dos problemas que temos.
Nota final: O eyeball tattooing no Brasil tem uma série de problemáticas que poderiam ser amenizadas através de estudos, pesquisas e contato direto com a pessoa que desenvolveu a técnica. Quem sabe, no mundo ideal, contar até com a parceria com oftalmologistas e universidades. Não é estabelecendo proibições que o quadro vai mudar, só vai retardar o desenvolvimento técnico e aumentar os riscos. Sabemos que o eyeball tattooing não é o procedimento completamente seguro, mas defendemos integralmente a autonomia individual e o direito de decisão dos indivíduos sobre seus corpos. Somos completamente contra ao PL 5790/2013.