As discussões sobre a tatuagem em pele negra seguem com todo vapor no Brasil. Soma-se ainda que vem sendo discutido sobre representatividade negra entre profissionais da tatuagem e também sobre o racismo. Nos últimos anos assistimos um crescimento no número de profissionais da tatuagem que são negras, negros e negres. Embora não exista uma pesquisa específica que nos apresente essa informação, nós que temos vivido muito próximo do mundo da tatuagem nas últimas duas décadas, percebemos. Não só percebemos, como comemoramos.
Mais um sinal que os tempos estão mudando dentro da indústria da tatuagem é que pela primeira vez teremos um festival de tatuagem no Brasil que pensou e criou uma categoria específica para tatuagem em pele negra, chamada Diáspora. Nas redes sociais a iniciativa fez sucesso e muitas pessoas comentavam o quanto sentiam falta disso. Importante ter claro que a primeira convenção de tatuagem aconteceu no Brasil em 1990 – chamada de 1ª Convenção Internacional de Tatuagem do Brasil organizada pelo italiano radicado no Brasil, Marco Leone – e somente agora – quase 30 anos depois – teremos uma categoria exclusiva para pele negra.
Estamos a falar do Tattoo Place Festival que acontecerá nos dias 12, 13 e 14 de Julho de 2019 em Niterói, Rio de Janeiro. O Tattoo Place Festival teve sua primeira edição em 2014 e se assume enquanto evento voltado para tatuagem, arte e cultura alternativa. Pelo que estamos vendo também assumiram a proposta de quebrar paradigmas dentro da cultura da tatuagem, além de pautar a questão de etnia/raça/cor em 2019, foi em 2018 que assistimos a primeira mulher trans a vencer um concurso de Miss Tattoo, faixa que a tatuadora Mariê Marques carregou com muito orgulho.
Essas informações todas já são bastante importantes e fundamentais para que possamos vislumbrar progressos dentro da indústria da tatuagem e da sociedade como um todo. Eis que conversamos com o organizador do evento, Tito Martins, para que pudéssemos saber e entender mais da proposta. E é agora que tudo fica mais ainda interessante.
Tito Martins nos contou que quando passou a fazer convenção de tatuagem, em 2014, começou a trabalhar com a Katia Fernandes, que no ano seguinte passou a ser diretora operacional de seus eventos. Em 2016 ou 2017, durante o festival, pela primeira vez conversaram sobre colocar uma categoria destinada às pessoas de pele negra. O organizador confessou que se incomodava com as publicações de pessoas pedindo peles brancas para tatuar para concorrer nos eventos. Não por uma questão estritamente técnica, mas por se colocar no lugar das pessoas negras que liam essas publicações.
É muito comum e frequente que profissionais da tatuagem busquem apenas peles brancas (as chamadas telas) para competir , assim como é comum que só insiram em seus portfólios tatuagens feitas em pele branca. Em um país onde apenas 43,6% da população se declara branca segundo o IBGE de 2017, temos um problema. E não podemos dissociar essa prática das outras tantas formas em que o racismo se manifesta.
O organizado do Tattoo Place Festival disse ainda que:
“A ideia surgiu num momento em que estávamos eu, a Katia Fernandes e um segurança (ambos negros) conversando. Ele me perguntou: -Tito, por que não tem uma categoria de pele negra? E a Katia, em sequência, refez a mesma pergunta: -Verdade, Tito, por que não tem?”
A perguntava levantada ficou ecoando na cabeça do organizador, que buscou a ajuda de sua irmã, que ele tem como conselheira. Em conjunto decidiram pelo nome: Diáspora.
No início de 2018, faltando 2 meses para o evento, a Katia Fernandes faleceu, uma grande perda e que abalou bastante o organizador. Por conta de problemas pessoais, de saúde e o luto que Tito viveu durante a produção do evento não conseguiu fazer a categoria para pele negra já no ano passado. “Mas 2019 chegou e a hora também”, enfatizou e concluiu dizendo:
“A categoria surgiu pra homenagear a Katia, que foi meu braço direito por quatro eventos, e estendo a homenagem a toda comunidade negra, que merece todo nosso respeito. Considero importante e simbólico este ano de 2019 ser o ano em que ela foi inclusa no cronograma do concurso da Tattoo Place, já que infelizmente é o ano em que um presidente racista (fascista, homofóbico…) que vai contra todos os progressos conquistados pelos direitos humanos assumiu o comando da nação. Resistir é preciso! Espero de coração que boa parte dos produtores insiram esta categoria em seus eventos.”
Resistir é preciso, sem dúvida alguma. Fazia muito tempo que não víamos algo tão sensível e potente acontecer dentro de uma convenção de tatuagem. Os últimos anos levou a nossa vontade de participar de eventos do tipo e ao que parece o Tattoo Place Festival reacendeu uma chama. Rogamos que ilumine os organizadores e produtoras da indústria da tatuagem para que repensem o que vem sendo feito e tragam propostas que contemplem a pluralidade brasileira e humana. Quem viver, verá.
SERVIÇO
Tattoo Place Festival Niterói – 2019
12, 13 e 14 de Julho de 2019
Rua Alexandre Moura, 2 – São Domingos – Niterói – Rio de Janeiro
CONTATO
https://www.tattooplacefestival.com.br