Essa semana a Revista Super Interessante lançou eletronicamente um questionário que visa criar o 1º Censo Brasileiro de Tatuagem. Estranhamos que isso tenha partido de uma mídia de massa e genérica, no sentido pontual que ela não trata especificamente sobre tatuagem. Já fizemos por AQUI longas reflexões sobre a questão da relação entre modificações corporais e mídias, automaticamente entramos em estado de temor.
A revista afirma que vai “traçar o perfil do tatuado no Brasil“, nós questionamos a finalidade dessa ação e principalmente de como isso vai se dar.
Ao que parece a Super Interessante está fazendo a pesquisa virtualmente, o que automaticamente exclui o grande número de pessoas tatuadas que não utilizam a internet. Apesar de parecer algo muito fora da realidade, essas pessoas existem e deveriam ser consideradas em algo que envolva um censo.
Fomos preencher o questionário afim de ver do que se tratava essa iniciativa. Grosso modo a impressão que ficamos é que é algo para não ser levado a sério. Ao nosso entendimento, é disso que se trata.
O início do questionário já se apresenta de forma equivocada. A tela mostra um chapéu de cowboy para o “homem” e um laço para a “mulher” e você tem que optar por um ou outro. A imposição binária de identidade de gênero já se coloca na capa e é reforçada por símbolos que remetem ao discurso “isso é coisa de homem” e aquilo é “coisa de mulher”.
Não há outra opção além do binarismo, o que é uma grande falha quando pensamos na quantidade de pessoas trans* tatuadas que existem no Brasil. Por pessoas trans* compreendemos como sendo a “abreviação de várias palavras que expressam diferentes identidades, como transexual ou transgênero, ou até mesmo travesti”. Assim sendo “para evitar classificações que correm o risco de serem excludentes, o asterisco é adicionado ao final da palavra transformando o termo trans em um termo guarda-chuva [umbrella term] – um termo englobador”. Podendo incluir pessoas trans* que se identificam dentro e/ou fora do sistema normativo binário de gênero, ou seja, da ideia normativa que temos de “masculino” e “feminino” que forma um binário. Essa definição (que gostamos muito) sobre pessoas trans* foi retirada do blog Transfeminismo e pode ser acessada CLICANDO AQUI.
Que fique claro, a nossa marcação como “homem” no censo é uma falácia, o binarismo não nos representa. Assim como nós, quantos mais?
Dando seguimento ao formulário, fomos tentar marcar as tatuagens que temos. Tentamos falar da tatuagem na região do peito e não havia opção representativa e nem similar. Colocamos como “símbolos”, na falta de ter algo que condizia com biomecânico. Mais uma vez, não condizia com a realidade.
Quando a questão é o por que de se tatuar as opções de respostas também são bastante limitadas.
Sobre valores, no caso o quanto gastamos com tatuagens, existe a opção máxima de “até 5 mil com gastos de tatuagem”. Tatuagem normalmente não é algo barato como é sabido por todos e qualquer pessoa bastante tatuada pode passar dos 5 mil reais gastos bastante facilmente. A questão ou não aborda as pessoas muito tatuadas ou desvaloriza a profissão do tatuador. Sem contar o que é a opção “não te interessa” nessa questão? Oi?
Uma parte crítica em relação especificamente a tatuagem é a questão sobre o que seria um estúdio ideal. Exatamente aqui é que percebemos que o censo é algo para não ser levado a sério. As questões sobre estúdio de tatuagem ideal não falam da capacidade profissional e tão pouco aborda questões de higiene e histórico no geral. Ao contrário geraram um discurso despreocupado demais, curto demais, cool demais, fútil demais. Ter opções como “com uma vibe legal” ou “bonito e com wifi na sala de espera” nos fez sentir como participando da Malhação ou coisa que o valha.
Esse é o censo que vai traçar o perfil do tatuado brasileiro. Que fique claro, desde já ele não nos representa como parte das pessoas tatuadas no Brasil.
Se você quer passar o tempo e por fim ter um perfil desenhado de que tipo de tatuado você é, para em seguida compartilhar no Face e ter muitos likes, acreditamos que não vai haver grandes decepções.
Se você – assim como nós – esperava algo além… É, vamos seguir esperando.
Você pode acessar o pseudo censo no link abaixo:
censodetatuagem.super.abril.com.br
Eu particularmente acho que nós, que entendemos do meio poderíamos criar algo muito melhor do que isso e com finalidades. Realmente as perguntas são bem fulas e as respostas mais ainda. Fiquei abismada com a forma que tudo é retratado.