“A modificação corporal é um legado social, cultural, político, artístico, logo, histórico da humanidade. Um patrimônio efêmero, um legado precioso e sagrado.”
Manifesto Freak
Gostem ou não, as modificações corporais fazem parte de um rico, complexo e extenso histórico da cultura humana. Em diferentes espaços e tempos a arqueologia e antropologia têm nos mostrado a incidência de técnicas de se alterar o corpo.
Todavia, no século XXI existe uma resistência – muitas vezes violenta – na aceitação dessas práticas. Em alguns espaços mais do que em outros. Em alguns espaços o impedimento de acesso ao mercado de trabalho e em outros a prisão. Quando falamos em cárcere não pensem que estamos falando apenas do oriente médio, como recentemente publicamos AQUI. O que temos assistido na Inglaterra nos últimos anos com perseguições e prisões reforça a ideia de que no ocidente, embora o discurso seja um, a prática tem sido outra. E precisamos estar atentas à isso.
Desafiando essa resistência manifesta no controle de corpos e subjetividades, Oriini Kaipara da Nova Zelândia se tornou a primeira apresentadora de televisão com uma tatuagem facial bastante visível, na região do queixo. Aos 35 anos, ela vive em Auckland e trabalha na TVNZ.
Oriini é uma mulher maori, em 2017 realizou um exame de DNA que apontou que seu sangue seja 100% maori. A tatuagem – inclusive facial – é parte da cultura maori e inclusive grande referência para a tatuagem internacional. Segundo aponta matéria na Hypeness, foi assim que em 2019 a apresentadora decidiu realizar o seu sonho de fazer uma tatuagem moko kauae.
O moko kauae que é uma tatuagem na região do queixo é uma tradição entre as mulheres maoris, relacionada com a manifestação física da verdadeira identidade.
Quando a ideia foi levada para emissora, Oriini não teve problemas, mas conta em entrevistas que nem todo público aprovou. Ainda, em entrevista para o NZ Herald, a apresentadora disse que:
“Eu fiz o meu melhor e é tudo que eu queria. Não se trata apenas de mim, mas de aproveitar e abrir oportunidades para os usuários de moko, para os Maori – não quero que isso seja uma maravilha de uma pessoa só”.
Oriini espera que sua visibilidade diante das câmeras permita que outras mulheres maoris vejam suas moko kauae sendo aceitas em diferentes ambientes. O que vem ao encontro do texto que publicamos AQUI sobre a pedagogia do esquisito que trata justamente da ocupação de lugares e posições por pessoas com modificações corporais e a importância disso na construção de um mundo mais plural em que as individualidades e, igualmente, ancestralidades sejam respeitadas.