Freaks é um filme canadense-estadunidense de ficção científica e thriller de 2018. Dirigido, escrito e produzido por Zach Lipovsky e Adam B. Stein. Estrelado por Emile Hirsch, Bruce Dern, Grace Park, Amanda Crew e Lexy Kolker.
O filme teve a sua primeira exibição no Toronto International Film Festival em Setembro de 2018 e foi lançado comercialmente na América do Norte em Setembro de 2019.
A sinopse do filme diz que:
“Chloe (Lexy Colker) é uma menina de sete anos desesperada para escapar da proteção de seu paranoico pai e experimentar o mundo fora dos muros de sua casa caindo aos pedaços. Quando um dia seu pai pega no sono e ela aproveita para fugir, ela descobre um mundo lá fora cheio de mistérios e perigos muito maiores do que ela poderia imaginar. “
Daqui em diante trabalharemos com spoilers. Caso você não tenha visto o filme ainda, pare a leitura e retorne depois. Se você não se importar com spoilers, siga a leitura.
Quando vimos o título Freaks logo ficamos receosas com o que poderíamos encontrar. Mas logo fica perceptível que o freak que eles trabalham não tem muita relação com o freak que usamos como definição de nossas identidades. Embora obviamente fique explícito o processo desumanizador com que as pessoas entendidas como freaks são tratadas dentro daquele universo e, nesse sentido, há uma proximidade, muitas vezes incômodas. Principalmente considerando o atual contexto político.
Esteticamente falando o filme não trabalha com nenhuma nuance do que se entende por freak (aberração), muito pelo contrário. É um filme onde todos os protagonistas são brancos, heterossexuais, cisgêneros, padrão indústria cinematográfica hegemônica… Escolhas, são escolhas.
O ser freak estaria dentro do campo das habilidades. Algumas pessoas na estória têm habilidades especiais, super poderes. Nesse sentido tudo lembra muito o que já foi feito em X-Men. Inclusive o próprio conflito entre seres-humanos e mutantes: um grupo de mutantes é perseguido, aniquilado e controlado pelo Estado para atender interesses escusos.
Embora não tenhamos nada de muito novo no filme, existe um roteiro interessante e que fixa nossa atenção, principalmente quando vamos assistir sem muita expectativa e com zero conhecimento sobre o que vamos ver.
Falemos agora sobre os destaques do filme em nossa leitura. O diálogo, logo no começo do filme, entre Chloe e o seu pai é provocador. A garota – por conta de todo contexto em que está inserida – tem um profundo desejo de ser normal (ela repete isso incontáveis vezes durante o filme), sair de casa, tomar um sorvete e o seu desejo em ser amada são latentes. E eis que enquanto brincam, o pai solta a frase “você precisa mentir pra ser normal“. A mensagem nos provocou a pensar no quanto mentimos, nos anulamos muitas vezes para atender interesses de terceiros, para nos enquadrarmos, para sermos aceitas… Tudo aquilo que no Manifesto Freak pontuamos e nos recusamos a fazer. Tudo aquilo que também já foi muito discutido no X-Men por parte de mutantes que desejam a cura. Todavia nunca sendo uma discussão gasta ou ultrapassada. É importante vê-la surgindo com outras roupagens.
Há uma sequência bastante elucidativa que acontece em um programa de TV. Nesse momento é explicado o que se entende por freak e qual é o lugar dessas pessoas naquele universo. Curiosamente – que sublinham as escolhas feitas pela direção do filme – a conversa acontece entre um jornalista negro e uma agente asiática, reservando para ambos um lugar de vilania na trama. Escolha problemática: heróis brancos e vilões não brancos.
Parte do diálogo da sequência é:
“– Não posso deixar de notar que você usa o termo ‘anormal’, ao contrário de ‘freaks’ (aberração) amplamente utilizado. Isso é uma afirmação política?
– Eu acredito que é importante para ADF tentar normalizar relações com a comunidade anormal.
– Comunidade anormal? Por definição, todos os ‘freaks’ que estão soltos são ilegais.
– Declarar um grupo de pessoas ilegais não os faz ir embora, isso os faz ir para o subterrâneo (underground). Eles são forçados a se defender para sobreviver.
– Bem, no seu ponto, a lei de anistia deu aos ‘freaks’ uma oportunidade pacífica de mudar para Madoc Mountain. Então, quem continua se escondendo em nossas cidades, está violando a lei, não está?
– Eu acredito em deslocalização e rescisão. Anormais são perigosos e não podemos deixá-los viver livres. Mas eu não acredito que eles nasceram com o mal.
– Todo mundo sabe que suas habilidades aumentam a cada geração. Seus filhos são definidos como armas vivas de destruição em massa. Matá-los quando crianças não é a coisa mais humana?“
Tantas camadas em um curto diálogo. O cinismo do que se fala em frente das câmeras e o que se faz por trás dela. O desejo de controle e extermínio da diferença por parte do Estado. A ilegalidade de alguns corpos em detrimento de outros. E a pedrada: “matá-los quando crianças não é a coisa mais humana?“, pergunta o jornalista.
Para nós pessoas freaks que precisamos ouvir essa sentença de formas indiretas e algumas tantas vezes diretas – e nem sempre através da palavra mas da ação – é um diálogo que incomoda. E os olhos de Chloe enquanto ouve tudo aquilo representam muito os nossos olhos também.
Pontua-se ainda que Madoc Mountain é tipo um campo de concentração onde as pessoas freaks são mortas e exploradas cientificamente. Nunca houve oportunidade pacífica.
É um filme que cumpre bem a tarefa de entretenimento, tem bons efeitos especiais, boas atuações e, por outro lado, alguns equívocos graves que demonstram pouco aprofundamento sobre o que é ser uma pessoa freak para além de habilidades especiais. São escolhas, são escolhas…
Escrevemos sobre o filme mais pelo título do que pelo resto. Assim seja, escrito está.