Filmado ao longo de seis anos, o documentário Mr. Angel (2013) narra a vida extraordinária do ativista, educador, produtor, diretor e astro pornô transexual Buck Angel. As sinopses que circulam pela internet dizem em geral que “o filme mostra como Buck superou o vício pelas drogas, depressão, prostituição e outros obstáculos para se transformar em uma pessoa muito mais especial do que ser apenas um “homem com uma vagina”, como é conhecido no mundo pornô”. Nós dizemos que o filme é um registro das lutas cotidianas de uma pessoa que escapa das normas e padrões sociais e que através de sua existência tem ajudado centenas de pessoas que passam por experiências similares.
De início o filme quebra com a ideia ilusória de que os Estados Unidos seja um país de mente aberta e plural, como algumas pessoas ainda acreditam. Buck em suas primeiras falas expõe o conservadorismo norte-americano com as questões sobre sexualidade e gênero, mesmo a dificuldade em lidar com a nudez. O que inclusive foi um dos pontos para que ele saísse do país e fosse viver no México com sua então esposa, Elayne Angel. Somado dos problemas para a indústria pornô dos EUA durante o governo Bush.
Buck Angel tem uma relação bastante confortável com sua identidade de gênero e narra durante o filme os motivos que o fizeram não passar pela faloplastia ou metoidioplastia. No entanto, como é frisado repetidas vezes pelo astro do pornô, não ter um pênis não o faz menos homem. Genitália não define gênero é o ponto e apesar de parecer algo muito simples e fácil de se entender, a realidade é outra e o documentário mostra isso em diversas situações. Vemos a dificuldade de se entender a questão pela expressão chocada – e exagerada – da apresentadora Tyra Banks aos discursos dos familiares do astro pornô. A leitura de e-mails com conteúdo de discurso de ódio e ameaças de morte também é um ponto que merece a devida atenção. O que é obviamente atrelado ao fato de que vivermos em uma sociedade falocêntrica e cissexista e que usualmente tem o equivocado hábito de reduzir pessoas em suas genitálias e em um discurso biológico e religioso. No Brasil a gente aprende isto da pior maneira possível, somos o país com o maior índice de assassinatos de travestis e transexuais segundo pesquisa da ONG Transgender Europe.
Aproveitando que falamos dos discursos dos familiares (mãe, pai e irmã), o que fica claro é uma tensão bastante forte com o Buck e com as escolhas que ele fez na vida, inclusive com sua profissão na indústria do pornô. Enquanto de um outro lado, ao mostrar sua vida naqueles seis anos de registros e seu casamento com Elayne, vemos uma outra fala, com cumplicidade e aceitação mútua.
Diga-se de passagem Elayne Angel merece algumas linhas especiais. Ela é uma das mais importantes profissionais do body piercing e ícone da comunidade da modificação corporal do mundo. Escreveu o livro The Bible Piercing (2009) e tem forte atuação na APP. Estima-se que tenha feito mais de 40.000 perfurações desde 1980. Obviamente que adoraríamos falar mais sobre ela, mas talvez em uma outra oportunidade.
Contamos acima da relação confortável de Buck com sua identidade de gênero, mas é algo que nem sempre foi assim. Problemas com álcool e outras drogas como cocaína e crack marcaram a vida do ator. Tentativas de suicídio também marcaram a sua história, em fases – antes de sua transição – que o ódio de si falava mais alto. Sentimento este que foi sendo gradativamente trocado ao passo em que sua transição caminhava através de cirurgia para retirada dos seios, exercícios físicos e uso de testosterona.
Em 2007 Buck Angel ganhou o prêmio de artista transexual do ano pela AVN awards. Através de seus trabalhos na indústria pornô – que como ele deixa claro é muito além de apenas fazer sexo – e militância abriu espaço para tantas pessoas de gêneros variantes. Importante sempre ter em mente que tudo isso vai muito além do pornô. Estamos falando que a existência de Buck e sua visibilidade tem auxiliado muitas pessoas ao redor do mundo. Colaborando e tornando confortável a relação dessas pessoas com seus corpos e subjetividades.
Buck passou a trabalhar ativamente em universidades e com palestras ao redor do globo. Diz que, apesar de clichê, quer mudar o mundo. Isto, principalmente depois de entender que o que ele vinha fazendo estava ajudando muitas pessoas. Tornando esse mundo mais plural ou apenas nos lembrando o que forçosamente querem nos fazer esquecer ou não ver. Diversidade é vida.
O filme ainda nos traz problemas que precisam ser debatidos com mais franqueza. Por exemplo, a manipulação e distorção que a imprensa tem o hábito de fazer, colocando – sempre – as pessoas trans* como abjetas, bizarras e anormais. Buck denuncia o caso em que foi convidado para participar de um programa de televisão em que supostamente contariam a sua história, mas que na verdade tinha a pretensão de explorar de modo sensacionalista possíveis “esquisitices sexuais’.
Buck denuncia também a dificuldade que é usar o sistema de saúde, ter que explicar os motivos que um homem como ele precise ir ao ginecologista. Abaixo um trecho do documentário e que também serve como um alerta.
O filme Mr. Angel conta com direção de Dan Hunt, que é também um reconhecido ativista pela causa LGBT, e que carrega no currículo outros filmes tais quais Cruel and Unusual (2006), documentário sobre as experiências de mulheres transexuais no sistema prisional norte-americano e After Stonewall (1999), documentário sobre os 30 anos de ativismo da comunidade gay pós a revolta de Stonewall (1969).
Mr. Angel circulou em diversos festivais de cinema ao redor do mundo, inclusive no Brasil, e está disponível no Netflix. É indispensável para a comunidade da modificação corporal e pessoas ligadas aos direitos humanos.
Atualmente está acontecendo um crowdfunding para a 1ª Conferência Internacional (SSEX BBOX) & Mix Brasil de São Paulo. Buck Angel é um dos convidados e você pode colaborar CLICANDO AQUI.
Invista em transformação social!
Trailer do documentário
CONTATO
http://buckangel.com/