“Faz um tempo eu quis
Fazer uma canção
Pra você viver mais”
Pato Fu – Canção pra você viver mais
Há uma semana o que parecia ser um sonho de verão em segundos se tornou um grande pesadelo. Domingo, 03 de Fevereiro, desapareciam Henry Oliveira, 22 anos, e Douglas Alcântara, 29 anos, na praia de São Vicente, litoral de São Paulo.
Na quarta-feira, 06 de Fevereiro, o corpo de Henry foi encontrado próximo ao Canal 1 de Santos, no entanto, Douglas seguia desaparecido. A semana foi marcada por uma intensa angústia e incansável busca da família de Doug por respostas. O caso se tornou público e acabou ganhando repercussão nacional, o que supostamente poderia ajudar, mas atrapalhou bastante também.
Na manhã de hoje, 10 de Fevereiro, a família de Douglas anunciava que o corpo havia sido encontrado no Instituto Médico Legal – IML. Segundo Diego Alcântara, irmão de Doug, o corpo estava em fase avançada de decomposição e, com isso, a identificação não era fácil. A confirmação se deu através de uma tatuagem que Doug tinha no pescoço.
Por conta da condição do corpo, será necessário fazer exames digitais, caso não sejam suficientes, será feito exame de DNA. O IML não pode fazer a liberação do corpo apenas pela identificação da tatuagem, principalmente pela repercussão que o caso teve na imprensa.
A família pede para que não sejam feitas perguntas sobre os próximos passos, o que é totalmente compreensível e esperamos que as pessoas respeitem a privacidade e o momento de luto. No entanto, avisarão – quando for possível – sobre o velório.
Diego agradece pela ajuda que recebeu e sublinha que todas as informações que conseguiram, foram através das ruas e das redes sociais. Em outras palavras, uma investigação que a família precisou fazer para conseguir respostas. Diz ainda na nota que:
“Não tivemos ajuda de fato das autoridades, inclusive, já havíamos na quarta-feira informado para os bombeiros que o corpo poderia estar preso nas pedras (chegamos a essa conclusão com ajuda de um surfista da região) e eles não quiseram fazer uma busca justificando que não podem fazer uma busca sem ter nenhuma certeza.”
Com a repercussão que o caso teve, inúmeras ofensas foram disparadas ao Henry e Douglas por conta de suas respectivas orientações sexuais e estéticas. Ofensas que inclusive partiram também da mídia genérica, como exemplo do programa Cidade Alerta ao insinuarem que Douglas teria assassinado o Henry. Talvez parte do aparente descaso com que o caso foi tratado pelas autoridades, tenha a mesma raiz.
Diego finalizou a nota dizendo que “nós tínhamos quase certeza que ele tinha sido afogado e não tinham ainda achado o corpo, porém não quiseram fazer a busca e no fim achamos o corpo do meu irmão nesse estado”. A angústia da busca e a aflição pela falta de respostas chegou – em partes – ao fim.
Doug Perigon, como era carinhosamente chamado, vivia em Itaquaquecetuba e trabalhava como designer e Dj. Junto de seu irmão trabalhava também na marca Treze Core, inclusive com stands em algumas convenções de tatuagem. Completamente apaixonado pelas modificações corporais e pela suspensão, colaborou imensamente com a comunidade e sempre viveu o orgulho de ser freak.
Esteve discotecando em nossa festa de 10 anos e em nossa última festa para gravação da segunda temporada de Sauntering. No primeiro episódio ele conta brevemente sobre como era tocar nas festas, sua relação com as modificações corporais e pulsava uma alegria que era dele. E o nosso coração fica pequeno por saber que não teremos mais a oportunidade de ter aquela alegria por perto.
Doug, enquanto um jovem gay, também sempre levantou a sua voz pelo orgulho LGBTQ+ e contra os crimes de ódio. Nos últimos anos esteve colaborando e articulando a Parada do Orgulho LGBTQ+ de Itaquaquecetuba. Em 2016 fez uma performance com suspensão corporal na Parada do Orgulho LGBTQ+ de São Paulo, denunciando a violência LGBTQfóbica. Falamos bastante sobre a criação desse trabalho, ele estava muito empenhado em levar essa discussão para aquele espaço e, guerreiro como era, foi e fez.
As nossas últimas conversas foram sobre os ataques que ele recebia virtualmente por postar fotos beijando o seu namorado, Henry. Doug era empoderado e muito consciente, por isso, não escondia o que era, quem era e quem amava. Inclusive, essas serão umas das maiores lembranças que teremos dele, o menino que era amável, afetuoso, destemido e com um humor contagiante.
A tragédia que marca a morte de Henry e Douglas fica com um desfecho vago. Pode ter sido um afogamento acidental e é cômodo seguir essa única linha de investigação, pelo que vimos, é um “procedimento” clichê… Ou pode não ter sido acidental, considerando a violência homofóbica no Brasil e que era um casal de meninos que não passavam despercebidos. Mas essa resposta, pelo que tudo indica, nunca teremos. E essa é uma sensação ruim de impotência e negligência.
O que teremos de agora em diante é um pouco dessa sensação ruim, mas também de ausência, de uma partida precoce e bruta… Uma grande lacuna, uma saudade que não vai passar… O que nos restou foi um punhado de planos que não vamos realizar. Mas Doug era poderoso, e ele nos deixou também com incontáveis memórias maravilhosas e um amor que não se limita ao plano físico.
Nós do FRRRKguys somos extremamente gratos pelo privilégio de ter vivido com o Doug e tê-lo como amigo e parceiro de jornada. O privilégio de ter recebido o apoio e amor desse menino. Choramos agora e nos sentimos faltando um pedaço, como não poderia deixar de ser… A nossa família freak fica menor… Mas nos permitimos que essas memórias lindas todas nos abrace e dê algum tipo de conforto.
Descanse em paz, amado Doug. Que bom saber, viver e ver como você foi e sempre será amado. A despeito de todo ódio que esse país carrega e sustenta, você sempre será muito amado. Que sua energia e luz, sigam iluminando nós que ainda ficamos por aqui. Até um dia, amamos muito você.