A arte pode nos fazer tocar partes tão íntimas e especiais de nossas essências que verbalizar a sensação disso é quase impossível. Talvez até desnecessário colocar em palavras, sentir e ruminar todas essas sensações deveria ser mais que suficiente.
O poder da arte é tão intenso e único que e em forma de tsunamis abraça à todos. A arte genuína não é excludente.
Ano passado fomos ver o espetáculo de dança de Marcos Abranches e desde então ficamos fascinados pela poesia de seu corpo. É um artista contemporâneo da dança, que nos faz refletir sobre nós mesmos enquanto seres humanos, cidadãos e como nos relacionamos com o mundo que habitamos. Abaixo o artista nos conta um pouco sobre sua trajetória, preconceito, vida, arte e corpo.
É um banho de poesia de vida que pulsa e ilumina. Quanta vida há.
T. Angel: Quando você descobriu a dança?
Marcos Abranches: Foi através do convite de um grande coreógrafo chamado Sandro Borelli, na época ele tinha uma companhia e estava no processo de montagem de um trabalho baseado num poeta brasileiro, Augusto dos Anjos, e desse trabalho descobri dentro de mim um talento artístico.
T. Angel: Conte-nos um pouco da sua trajetória nesse campo: cursos, estudos, pesquisas e etc.
Marcos Abranches: Como eu disse comecei com o Sandro Borelli e aprendendo muito com o que ele se inspirava na dança contemporânea. Eu ficava admirado com a preparação corporal e juntamente dos dançarinos, por isso todo o meu trabalho me inspiro na experiência que aprendi com o Sandro Borelli.
T. Angel: Como você vê o espaço que é aberto para as pessoas com necessidades especiais dentro da sociedade?
Marcos Abranches: Ultimamente tem melhorado um pouco, mas o nosso país ainda precisa crescer muito nessa questão, quando se fala em espaço para as pessoas com deficiência, mas tudo isso faz parte da “EDUCAÇÃO” da nossa sociedade. Um exemplo, até hoje não foi aprovado o auxílio que tenho direito de receber do governo, sabe quais são as respostas deles? A de que eu não moro em barraco para estar recebendo esse auxílio, acho isso um absurdo. Já começa por aí a educação do nosso país.
T. Angel: E na dança?
Marcos Abranches: Tive a grande oportunidade de participar de um projeto com um coreógrafo americano, Alito Alessi, que foi o fundador na técnica de dança chamada DanceAbility, onde se trabalha com pessoas com ou sem deficiência física ou mental, que de três anos para cá no Brasil estamos trabalhando com essa técnica e que deu mais oportunidade para pessoas com deficiências.
T. Angel: Você sente algum preconceito seja na sociedade num geral e especificamente dentro do campo da arte contemporânea?
Marcos Abranches: Na sociedade sim, mas sei superar através dos meus pensamentos e na arte eu dou graças a Deus por ser um deficiente físico, pois sinto que meu corpo foi feito através de Deus para ser um artista contemporâneo. O público se confunde: “será que ele é deficiente ou está representando um personagem”. Na minha visão acho demais.
T. Angel: Você participou de um espetáculo no exterior, conte-nos um pouco dessa experiência.
Marcos Abranches: Tive uma grande oportunidade de receber um convite de um grande diretor, Christoph Schligensielf, que assistiu o meu trabalho aqui no Brasil e logo me convidou para atuar numa obra que ele esta escrevendo e dirigindo na ópera de Berlin, com o tema da vida da santa Joana Dark. Como dançarino performático, único brasileiro e deficiente da peça parecia um sonho, mas era pura realidade. A minha superação naquele momento chegou a 100% da minha vida, principalmente quando terminava a peça e sempre tinha uma entrevista coletiva. Era só elogio de superação, como é gostoso escutar elogios do povo alemão que foi muito sofrido na questão do tema de pessoas com deficiência. Pra mim é uma vitória.
T. Angel: Um dos seus trabalhos, o D. Equilíbrio, já foi apresentado mais de 100 vezes. Como você sente a recepção deste trabalho?
Marcos Abranches: D… Equilíbrio é o meu primeiro trabalho e que foi dirigido por mim profissionalmente. Eu me inspiro muito no filme “Bicho de sete cabeças”, uma questão quando o público vê esse trabalho é que cada um tem a sua forma de pensar ou de ter lembranças de algum acontecimento ruim ou bom de sua vida. Quando eu vejo lágrimas saindo dos olhos do público vou para casa feliz, pois fiz um bom trabalho naquela noite.
T. Angel: Vimos que você também se interessa por tatuagens e carrega algumas pelo seu corpo. Conte-nos um pouco sobre essa sua relação com as marcas corporais e também sobre as que você escolheu para si.
Marcos Abranches: Bom, tenho oito tatuagens e vou falar de cada uma delas. O sol “nasce para todos, todos os dias” e eu durmo e acordo todo dia. Meu tribal “todos têm o seu caminho e só saber seguir”. Tem a minha tattoo que é uma frase “SOU O QUE SOU” e eu não vou comentar sobre ela, é você que vai pensar o que eu sou. Meu dragão significa força do pensamento e força espiritual. Também tenho três símbolos japoneses nas costas e que fazem parte da minha vida todos os dias (vida, amor e arte). Acho essas três palavras fundamentais para um artista e minha última tatuagem, que poucas pessoas gostam, é uma caveira. Vejo a morte como uma realidade da nossa vida, eu respeito muito o tema da morte e espero que a minha demore muito, mas no dia que chegar vou aceitar, como sendo a vontade de Deus.
São esses os significados das minhas tatuagens.
T. Angel: Atualmente está em cartaz com algum trabalhou ou trabalhando em algum novo projeto?
Marcos Abranches: no momento estou ensaiando a peça de equilíbrio e também estou no momento de pesquisa junto com uma grande amiga minha, chamada Alesandra Bono Vox, que também tem uma deficiência física e que também tem um passado muito perturbador. Ela foi minha aluna o ano passado e a convidei para fazer esta pesquisa sobre a vida dela, que pode se transformar num espetáculo lindo. Ela é uma pessoa muito doce e que não tem comunicação com quase ninguém pela deficiência dela e pra mim, na minha forma de ver, ela é uma artista.
T. Angel: O que você diria para quem tem algum tipo de necessidade especial e gostaria de mergulhar no mundo da dança?
Marcos Abranches: Se aquela pessoa tiver bondade de ser um dançarino contemporâneo, minha dica seria não faça só movimentos bonitos, seja uma pessoa bonita, educada, estudada e informada. Você vai ser muito mais bonito e respeitado do que a sua dança e nunca se aproveite das piedades das pessoas. Seja você mesmo e um bom profissional.
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Atenção para o workshop ministrado por Marcos Abranches:
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