Entrevista com Garcia Inkarmanation sobre tatuagem, nomadismo e sonhos

Fotos: divulgação

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Freak Garcia, Neto, Manoel e/ou Garcia são algumas formas de se referir a essa importante personalidade da história da modificação corporal nacional. Inclusive a variação de nomes/apelidos pode ser encontrada nas diversas matérias publicadas que o retratam. Escolhemos aqui em usar o Freak Garcia, apenas para facilitar o processo. Lembramos inclusive de uma reportagem antiga que falava do quanto esse sujeito era um camaleão, isto é, estava sempre mudando. Em sua entrevista agora entendemos que ele estava (e ainda está) era se adaptando as suas mais íntimas e particulares necessidades de experimentar o mundo e nas suas mais vastas possibilidades. Inspirador. A entrevista aqui compartilhada foi feita via e-mail, então em alguns momentos pode se ter a sensação de repetição de temas. Esperamos que isso não atrapalhe a leitura. Procuramos editar o texto deixando a coisa toda o mais fluída possível. Com o seu particular bom humor e bagagem de quem já correu o mundo todo, Freak Garcia nos respondeu gentilmente todas as questões postas. Com isso, foi possível conhecer um pouco mais sobre ele e igualmente sobre a história da modificação corporal nacional. Boa leitura.

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T. Angel: Quando a modificação corporal entrou em sua história?
Freak Garcia: Sempre fui envolvido desde pequeno com arte sem perceber, nunca me senti parte de nada que a sociedade tinha a me oferecer. O caminho era esse ou viver toda minha vida insatisfeito, sem saber o motivo. Sempre fui um sonhador e sonho muito até hoje… Quando criança, no prédio que eu vivia havia um estúdio de tatuagens (Zecão Tattoo), o primeiro tatuador da região. Por lá passavam punks e headbangers, adorava ver aquele povo, sentia que de certa forma aquelas pessoas haviam encontrado algo. Anos e anos mais tarde comecei a trabalhar como piercer e a segunda loja que trabalhei foi a mesma que via quando criança. Na época estava fodido sem casa e sem dinheiro vagando por aí e muitas vezes dormindo pela rua… Nessa época eu tinha apenas 18 anos e o Zecão me ofereceu trabalho e um lugar para viver, devo muito a esse cara. Se não fosse ele talvez hoje não estaria vivo, foi uma época bem difícil…

 

T. Angel: Quais os tipos de modificações corporais você já fez em seu corpo?
Garcia: Fiz diversos implantes, perfurações e tatuagens.

 

T. Angel: Como se deu a sua entrada como um profissional das marcas corporais?
Garcia: Como disse na outra pergunta, foi de forma natural. Naquela época a tatuagem já estava se difundindo, modificações e perfurações eram novidades. Já desenhava na época, mas aquilo era algo novo pra todos. A curiosidade por algo novo foi me levando.

 

T. Angel: Conte-nos um pouco sobre sua trajetória como body piercer. Em que estúdios passou, curiosidades e dificuldades da profissão…
Garcia: Após sair do estúdio do Zecão em Sorocaba, o Andre Fernandes me convidou para trabalhar com ele na Tattoo You e por lá fiquei dois anos e meio. Na época a modificação corporal estava dando as cara por aqui. Eu, o Andre e mais uns quatro piercers estavam se aventurando por esse novo caminho. Sai de SP e voltei para o interior, após um ano da volta, montei meu estúdio.

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T. Angel: Você também trabalhou com modificações corporais mais “extremas”, como a escarificação, implantes e etc. Como foi essa passagem e quando decidiu não atuar mais nesse campo?
Garcia: Tudo começou na Tattoo You, na época não tínhamos tanta informação, então era tudo na raça. Eu e o Andre estávamos sempre quebrando a cabeça. rs Assim como no início, meus interesses foram mudando. Apesar de não deixar de gostar, precisava de algo mais expressivo.

 

T. Angel: Você também realizou alguns freak shows. Quando tempo durou essa sua trajetória¿ Pensa em fazer algum show novamente?
Garcia: As vezes ainda faço algo. rs Vou fazer uma performance curta na Venezuela em janeiro de 2013. Aprontei algo na Europa esse ano. rs Pretendo fazer apenas o da Venezuela, meu foco principal hoje é a tatuagem.

 

 

T. Angel: Quando foi o seu primeiro contato com a suspensão corporal?
Garcia: Alguns vídeos de suspensão: Andre Meyer, TSD, Lukas, Joey Strange. E como um bom curioso resolvi tentar na primeira passagem de Lukas Zpira pelo Brasil.

T. Angel: Você fez algumas suspensões corporais durante os shows, fora deles também, quais?
Garcia: 99% suicide.

 

T. Angel: Havia uma diferença de significado da suspensão feita em show para aquela que foi feita fora dele?
Garcia: No show é tudo muito mecânico, fora dele é diversão. Já fiz uma suspensão sob efeito de mescalina também.

 

T. Angel: Depois de uma bela trajetória em outras áreas, você se tornou um tatuador. Como e quando foi essa transição?
Garcia: Bom, estava com minha loja e como disse, precisava de algo que fosse mais expressivo pra mim, não tão mecânico… Assim fui migrando e migrando.

 

T. Angel: Não demorou muito para que você criasse e seguisse uma linha muito particular de trabalho. Hoje sabemos que é um sucesso mundial, mas como foi o começo disso?
Garcia: Na época que eu trabalhava como piercer tinha alguns livros, como o Pfiq e Torture Garden, e por acompanhar essas publicações acabei descobrindo o trabalho de Xed Le Head. Além de conhecer fora disso artistas como Leo Zulueta, o neo primitivismo sempre me chamou a atenção. Logicamente no futuro foram diminuindo as cores em meu armário e na minha pele… Back to black! Não queria ficar em um estúdio fazendo tatuagens de pastas, não seria muito diferente de standard piercings. Eu precisava me encontrar ou deixaria de tatuar… Quando comecei com dot work isso nem novo era no Brasil. rs Na verdade, nem existia até onde eu saiba. rs Comecei a pesquisar e conhecer vários artistas bem interessantes e não tinha ninguém pra me ajudar, foi na base do acerto e erro. rs Em 2011 acabei me jogando pra Europa , onde acabei voltando mais 4 vezes… Acabei me tornando amigo de quase todos tatuadores que admirava, como também tatuando alguns deles e igualmente sendo tatuado. E é claro muita festa! rs Essa parte não lembro muito bem… rs Mas devem ter sido boas!

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T. Angel:
Considera essencial essa atitude em seguir um determinado estilo?
Garcia: Cara, olha só, o cara ouve heavy metal e crítica o Metalica por fazer um som mais pop. rs Aí o cara vai pro estúdio todo de preto, com cara de mau e tatua coisinhas engraçadinhas. rs Quem o cara pensa que é pra falar de uma banda??? Pra mim existem poucos exemplos de pessoas que fazem de tudo e tudo sai muito bom, na maioria o resultado é razoável… Tatuagem não é um trabalho, é um estilo de vida… Não é apenas sobre dinheiro e essas merdas… As pessoas levantam de manhã e largam os sonhos na cama.

 

T. Angel: Em uma curta divagação, sobressaltou a curiosidade: trabalhou com alguma outra coisa além das marcas corporais¿ Garcia: Cara, já fui parar no cinema, no filme Encarnaçao do Demônio de José Mojica Marins, já fiz alguns clipes e por aí vai. rs

 

 

T. Angel: Retornando, costumamos questionar os tatuadores que entrevistamos se o conhecimento em desenho é essencial para profissão, o que você acha?
Garcia: Mas é lógico! rs É obrigatório! rs

 

T. Angel: O que pensa sobre as convenções de tatuagens?
Garcia: Cara, convençõess eu gosto… rs Da hora que acaba e vamos pra festa! rs Poderia ser melhor, na real é apenas uma batalha de egos, mas tenho bons amigos e clientes. Me divirto da minha forma, tatuo coisas que gosto, vejo amigos e entre outras coisas. Competições? Não deveriam existir… Prêmio? Cara, vai jogar futebol se quer ganhar medalhas.

 

T. Angel: E as publicações impressas?
Garcia: Sai em algumas revistas no Brasil e na Holanda. Acabou de sair um livro alemão com meu trabalho. Esse ano deve sair mais dois, pelo menos é pra sair. rs Um nos EUA e outro na Europa.

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T. Angel: Além de ser um tatuador você é também um tatuado. Quem já marcou a sua pele?
Garcia: Cara, muita gente! Os últimos foram o Wilco da Holanda, 3rd Mark (Holanda), Raoul (flying swastika), Nica Le Head (Áustria), Ash Harrrison (Inglaterra) e Jean Paul Zilli. rs Sim, foi uma piada! rs

 

T. Angel: Pensando em influências e referências, quais seriam as suas principais?
Garcia: Klaus Furman , 3rd Marc , Xed le Head, Nazareno Tubaro, Filip Leu, D.m.T, Mauricio Teodoro, Jun Matsui,  Zecao Tattoo, l.s.d., Damien Voodoo. Puts, são muitas pessoas, plantas e substâncias, dá um livro isso.

 

T. Angel: Qual a melhor e a pior parte (se houver) do ofício de tatuador?
Garcia: A melhor parte é fazer o que gosta e a pior é a cobrança de aparecer com algo interessante todo dia, a cobrança que tenho comigo mesmo…

 

T. Angel: Como você enxerga o cenário da tatuagem no Brasil atualmente?
Garcia: Cara, vejo pessoas tatuadas com a mesma tatuagem, parece que todos compraram suas tattoos na mesma loja de liquidação. rs Me parece que as pessoas tem medo de fazer o que realmente gostam.

 

T. Angel: Você que já teve a experiência de tatuar em vários outros países, o que muda?
Garcia: A língua! rs

 

T. Angel: Você é um tatuador nômade, se assim podemos dizer. Conte-nos como é viver nesse nomadismo que nos remete liberdade. Garcia: Isso é tatuagem, ela percorreu o mundo com marinheiros, ciganos e índios. Eu apenas sigo a cartilha… Sempre sonhei em viajar e sempre que acordo carrego meus sonhos comigo para onde vou… A melhor faculdade do mundo e pra quem já viveu na rua ter corrido mais de 20 países, nada mal né? rs Mas ainda não estou satisfeito e acredito que nunca vou estar. Estou feliz, mas sempre termino qualquer frase com 3 pontinhos… Não gosto de ponto final … Só desejo aprender e aprender sempre. Estou sempre curioso com o que vai acontecer amanhã, onde vou estar e essas coisas… E sigo sempre sonhando…

 

T. Angel: Deixe uma mensagem para todos os nossos leitores e aqueles que admiram o seu trabalho.
Garcia: Obrigado pela paciência, afinal falo demais… rs E foram 24 perguntas. rs Bom, siga seus sonho e não deixe o futuro virar passado. Viva o presente, sorria… Chore… E apenas viva essa oportunidade… Saia do confinamento, desligue a televisão e viva com muito amor!

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2 thoughts on “Entrevista com Garcia Inkarmanation sobre tatuagem, nomadismo e sonhos”

  1. Uma grande pessoa, tive o prazer de conhecer pessoalmente, espero que logo menos tenha uma obra de arte feita por ele. T.Angel meus parabéns por mais uma bela entrevista, ao Manoel meus parabéns por existir e compartilhar das suas trips e histórias conosco.

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