Fotos: acervo Krusty Cola
Em 2019, o belga Arnaud Lalieu, conhecido como Krusty Cola, anunciava publicamente a interrupção em seu trabalho como tatuador profissional, por questões de problemas de saúde. É comum no meio da tatuagem, por parte de profissionais de carreira, a queixa de dores na coluna. São muitas horas tatuando, algumas vezes sem levantar, outras vezes em posições desconfortáveis para que a clientela esteja mais confortável ou que o resultado final do trabalho seja positivo. Com o tempo o corpo costuma reclamar, e infelizmente, a depender do caso, força uma interrupção temporária ou definitiva na profissão. O Krusty é um exemplo do que estamos a falar.
Ele que fez a sua primeira tatuagem em 1996, em 2003 tatuou o seu primeiro desenho e desde 2008 atuava profissionalmente – com muita paixão – na área, no entanto, os problemas de saúde, pediram pausa e chamaram por novos desafios. Nessa jornada, pessoal e profissional, o seu corpo todo foi marcado com tatuagens visíveis. Muitas!
Foi assim que o profissional chegou na MSD Belgium, empresa biofarmacêutica que tem mais de 125 anos de mercado, focada na pesquisa e produção de medicação e vacina para animais não humanos e humanos. Atuando na prevenção e tratamento do câncer e doenças infectuosas como HIV e Ebola. Na corporação, Krusty que é bacharel em Ciências da Computação pela Université Libre de Bruxelles, atua agora como cientista de dados senior.
“A companhia foi aberta sobre minhas tatuagens e orientação sexual”, nos contou Krusty, que além de ter o corpo bastante tatuado, incluindo a face, é homossexual. Dentro das perspectivas contemporâneas de diversidade e inclusão, postas e cada vez mais fortes nas grandes corporações ao redor do mundo, a MSD Belgium faz questão de publicizar ao mundo a presença de alguém como o Krusty em sua equipe, para além da orientação sexual. No Instagram oficial da corporação, há uma publicação sobre o profissional. A imagem é acompanhada por uma frase de sua autoria, que diz:
“Como membro da comunidade LGBTQ+ e ex profissional da tatuagem, diversidade e inclusão é particularmente importante para mim. A MSD me fez sentir bem vindo como eu sou.”
Para nós, pessoas com modificações corporais e freaks, ter a divulgação desses exemplos, colabora com a ruptura do imaginário e narrativa que não poderemos ou não conseguiremos acessar e permanecer no mercado de trabalho formal infectado pela normatividade compulsória. Para as empresas é a sinalização que nós existimos e que elas precisam, urgentemente, rever suas políticas de contratações. Nós sabemos e Krusty Cola também sabe do impacto positivo que gera saber de sua história e experiência, para além da comunidade da modificação corporal ou comunidade freak.
Em nossa conversa, Krusty diz que “adoraria ver mais trabalhos ocupados por pessoas fortemente modificadas e não somente subempregos ou empregos relacionados com modificações corporais”, como temos ainda hoje, quase que como um caminho de via única. E concluiu o seu raciocínio dizendo, “nós estamos mudando a sociedade“.
Não queremos reproduzir o discurso vil da meritocracia e tão pouco a fala perversa da superação, pretendemos apenas registrar esses casos para colaborar com a construção de outros contextos e narrativas possíveis. Queremos sinalizar, principalmente para as novas gerações, que podemos ter os nossos corpos modificados e uma infinidade de opções do que e com o que trabalhar. Mostrar que podemos fazer escolhas e fazer escolas. Todas essas movimentações, feitas no e com o corpo, ainda bastante raras, é verdade, são educativas e aos poucos vão transformando as pessoas, que como diria Paulo Freire, transformarão o mundo.
Modificar não apenas o corpo, mas mentalidades.
Ocupemos!