No dia 17 de Outubro de 2008 acontecia em São Paulo a Frrrkcon 000.1, a primeira conferência brasileira de body art e body modification. Organizada por Luciano Iritsu e T. Angel, o evento inovava ao promover um encontro onde o corpo era pensando e atravessado por diferentes práticas, dentre elas, a suspensão corporal.
Curiosamente na época o evento teve grande repercussão na imprensa nacional, abrindo um outro espaço e levando informações sobre os diferentes usos e apropriações do corpo. É certo que insistentemente a grande imprensa – aquela que chamamos de genérica – buscava noticiar de forma sensacionalista, mas foi possível encontrar espaços e profissionais sérios que puderam escrever, falar e mostrar um outro lado dessas histórias todas. E mesmo nos espaços menos éticos, como os programas de televisão, estavam lá Luciano Iritsu e T. Angel tentando tirar leite de pedra, para mostrar que existia um outro lado possível de olhar para os corpos modificados.
Falar sobre a Frrrkcon depois de dez anos é ainda um esforço de se fazer uma cuidadosa manutenção de uma história sobre o corpo modificado, entendendo que o evento possibilitou a criação de outros espaços, outros eventos e, em conjunto, fomentando a propagação das práticas de modificações corporais. A nossa memória é curta e por isso é preciso falar sobre, escrever sobre. E se não nós, quem falará?
Falar sobre a Frrrkcon depois de dez anos é ainda relembrar de sonhos, desejos, lutas e insistências. Nós ainda estamos aqui. E em tempos onde tudo se dissolve num piscar de olhos, permanecer é revolucionário.
E dez anos depois queremos saber como estão as duas pessoas que criaram e trabalharam na Frrrkcon e que seguem até os dias de hoje alimentando a amizade que começou uma década atrás. Queremos saber o que Luciano Iritsu e T. Angel têm a dizer sobre o impacto da Frrrkcon em suas vidas e compartilhamos logo abaixo com vocês.
“Nossa! 10 anos, né? Éramos jovens sonhadores! risos
Para mim foi um divisor de águas na minha volta para o Brasil. Estava fazendo uma “festa” com amigos e para futuros amigos. Porque a minha casa/estúdio ficava cheio na época da Frrrkcon. Nossa, era muito louco e a Frrrkcon foi sempre perto do meu aniversário também… E acho que tudo começou porque eu organizava a Conscar e te conheci, né? O Thiago Soares que colocava homens “pelados” na internet (frrrkguys). Mas aí depois que nos conhecemos na segunda Conscar foi amor à primeira vista. Com todo o seu conhecimento acadêmico aprendi muito com você e montamos nosso primeiro evento. O primeiro teve muitas coisas, performances, músicas, informações, exposições, stress, cansaço e alegrias! Ah! Um monte de coisa! Começamos às 14:00 da sexta e a última atração foi as 7:00 da manhã. Nossa! E ainda ficamos no prejuízo financeiro. risos
Lembra? Tínhamos muito mais pessoas “produzindo” a Frrrkcon do que entraram no evento. Ai você desencanou de organizar junto a segunda… Mas esteva sempre próximo. E sempre estará próximo.Organizar esse evento me fez conhecer muitas pessoas. Aprendi uma porção de coisas, queria abraçar o mundo, éramos jovens, né? risos
Acredito que mudamos a ideia de body art/bodmod/piercing na América Latina. Falo isso porque saímos na revista da APP, falando do palco da Virada Cultural, que foi continuação da Frrrkcon. Mas a Frrrkcon me deu muitos amigos, muitos sonhos realizados, que era divulgar e difundir ainda mais a nossa cultura de arte no corpo… Não queríamos ser famosos, só queríamos juntar a galera, concentrando tudo num só lugar.
Agora estou em processo de mudança de novo… Ainda estou fazendo piercing com experiência sensorial em Campinas… Oferecendo cursos online e querendo cada vez mais viajar e aprender. Nossa como é louco olhar para trás e se passar 10 anos, né?”
Luciano Iritsu
“A Frrrkcon obviamente mudou a minha vida. Primeiro porque estava expandindo mais ainda os horizontes do Frrrkguys e aprofundando ainda mais as minhas relações com as modificações corporais. Nesse sentido, inclusive quebrando fantasias que eu tinha… Eu acreditava que a comunidade da modificação corporal era o lugar debaixo do arco-íris onde todas as diferenças eram celebradas, que todo mundo gozaria de um espírito de fraternidade, amizade e suporte mútuo e vi esses muros ruírem. É dolorido, claro que é, mas foi importante ver explodir essa bolha da fantasia.
Eu acredito que a Frrrkcon foi um evento com muitos erros no sentido técnico, prático e de logística, fruto claramente de nossa inexperiência e precariedade. Éramos duas pessoas sonhadoras e pobres, produzindo um evento grande e, tudo isso sem recurso e apoio financeiro algum. Mas hoje entendo que se não fosse assim, não teria acontecido, nada teria se realizado e, principalmente, tudo o que veio depois da Frrrkcon. Tudo o que eu me tornei depois da Frrrkcon. Naquele momento foi preciso bater a cabeça, quebrar a cabeça e depois juntar os cacos e se refazer.
Eu não tive mais o desejo de continuar a trabalhar com a Frrrkcon, mas fico feliz que o Lu tenha continuado e eu pude estar ali pelas bordas dando apoio para o meu amigo. É muito trabalho (muito de verdade) e acredito que as pessoas não tenham a mínima noção do quanto de esforço envolve produzir um evento independente e por isso desrespeitam e não se importam. E é fácil e cômodo estar nesse lugar de apenas apontar o dedo e dizer que está tudo ruim e errado. Ter assistido que parte da comunidade da modificação corporal pouco se importava me tirou completamente as forças de trabalhar com a Frrrkcon. Mas respeito demais o que vivemos, o que fizemos e carrego boas memórias de tudo o que foi feito. Aprendi muito, muito de verdade…
Eu me graduei em História e hoje estou me especializando em Educação Inclusiva, trabalho com educação pública e, no momento, minhas energias estão concentradas nessa área. Ainda assim, sigo firme na performance e o FRRRKguys ainda está de pé. Em 2015 publiquei um livro e sigo pesquisando a modificação corporal e diferentes usos do corpo, talvez com uma intensidade menor do que no passado. Sinto que a história da modificação corporal está passando por uma fase profunda de transformação e, agora mais do que nunca, é preciso guardar todas essas histórias com muito carinho para que – quem sabe – as próximas gerações saibam do que fizemos e como fizemos.”
T. Angel
Vídeo documentário publicado em 2016 com imagens da Frrrkcon 000.1