A comunidade da modificação corporal precisa ser urgentemente reciclada. Com o recurso das redes sociais, toda a lástima dos incontáveis preconceitos existente entre as pessoas que integram essa comunidade – que passa pelas pessoas profissionais da área, as que organizam eventos e chegando até naquelas que trabalham com a imprensa desse segmento – não ficam mais escondidos nos cantos escuros. Com essa poderosa ferramenta as pessoas têm tirado o véu desse obscurantismo – que só quem vive perto conhece bem a existência -, e mostrado que há muito para se melhorar. As denúncias – pelas mais variadas injúrias – têm se tornado cada vez mais comuns e – a boa nova, apesar de obviamente ser lamentável – é que isso deve aumentar.
Em menos de três meses, denunciamos aqui o caso de um estúdio em SP que publicou anúncio de emprego discriminatório e o caso da tatuagem sexista e machista. Essa semana um homem que diz ser tatuador assediou moral e sexualmente algumas garotas nas redes sociais e ao ser combatido, chamou uma delas de “vadia” e completou dizendo para que “quando for estuprada não chore“. Em todos os casos o número absurdo de – principalmente – homens reclamando que não via discriminação, abuso, sexismo e machismo nas situações. Em todos os casos – principalmente – homens pedindo para que não se falasse sobre isso e fazendo convites para que nos centremos em técnicas. Impossível se omitir, impossível não falar sobre essas questões hediondas. O que podemos falar sobre técnica nesse momento, é que ela pode ser a mais aprimorada do mundo, e ao mesmo tempo não dizer absolutamente nada se você não tem ética e é produtor e reprodutor dessas violências todas. Técnica sem ética não pode ser bom para ninguém.
Mais um caso vem a somar com esses tristes e não isolados episódios. A fanpage do Facebook chamada Cartazes e Tirinhas LGBT denunciou na data de hoje um caso de lesbofobia que aconteceu no estúdio Made in flesh BH Tattoo. O tatuador que responde pelo estúdio se ofendeu quando a cliente disse que não quis se tatuar após ver que estavam fumando dentro do estúdio, e disse sem muito ensaio que a cliente “chupa xoxota suja a vida toda e vem falar do meu cigarro” (sic).
(Foto: reprodução / Facebook)
Veja, além do declarado desrespeito com a consumidora, é um ataque claro de lesbofobia e misoginia. Ainda, é sabido – ou deveria ser – que não é permitido fumar dentro de estúdios de tatuagem, por questões principalmente de higiene e assepsia. Inclusive, há a lei de nº 12.546/2011 – que é nacional – de antifumo e não só para estúdios de tatuagem. O texto diz sobre a proibição de fumar nos locais totalmente fechados, em todo o país, agora também impede o fumo nos locais parcialmente fechados em qualquer um de seus lados por uma parede, divisória, teto ou toldo. A lei vale também para áreas comuns de condomínios e clubes. E você pode CLICAR AQUI para saber mais.
O que esses casos trazem em comum, além da violência, é a falta de humildade e humanidade no reconhecimento do erro. Não há desculpas públicas, não se assumem erros, não se falam em melhorias e nem em reparação e seguem agindo como se tudo estivesse muito bem. Só que não!
Tem dez dias que anunciamos AQUI o curso +Diversidade, que é uma capacitação e orientação específica para profissionais das modificações corporais (tatuagem, body piercing, escarificação e demais técnicas), para o atendimento da população de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queers e demais variantes. Em conjunto será um mapeamento de profissionais e empresas nacionais engajadas na luta contra a homo, lesbo, bi e transfobia. Conseguimos contar nos dedos de uma mão a quantidade de pessoas que se interessaram. E há de se dizer que algumas delas são da área da saúde e não das modificações corporais em si. Ou seja, o que está ruim não dá sinais de que quer melhorar, pois obviamente há muito gente que se beneficia desse sistema nefasto.
A situação é visivelmente de um desgaste – principalmente ético – dentro dessa comunidade da modificação corporal nacional (que não é de agora) e mais do que isso, de uma sucessão de opressões que parte de um grupo que historicamente tem sido oprimido também. Irônico? Não. Paulo Freire já avisava, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor“, simples assim.