Corpos modificados e o preconceito cotidiano na cidade

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“Adorno dizia que a humanidade é sempre brutal com aqueles que não reconhece como humanos. Há sempre uma estratégia de exclusão em todo discurso normativo sobre o homem.”
(Vladimir Safatle)

“Mas quando tudo for só pó e solidão, quem iremos culpar pelo ódio que ainda carregaremos dentro de nós.”
(Fred Di Giacomo)

Já sabemos que não aprendemos a lidar com aquilo que é diferente e que quase sempre tratamos essas diferenças ou aquilo que não conhecemos – e não entendemos – de maneira hostil e violenta. Já sabemos que passamos por um momento mundial em que forças conservadoras e reacionárias buscam se estabelecer de maneira mais efetiva. Já sabemos que o Brasil não é só composto de gente pacífica e sorridente, muito pelo contrário, é um país também de gente muito violenta e marcada por uma história (em construção) de ódio. Já sabemos que existe uma intolerância absurda com todo e qualquer corpo que escape de uma ideia de linha normativa. Já sabemos, mas não aceitamos e não nos conformamos com isso.

Ontem o FG Guilherme Troiano divulgou em sua rede social que foi vítima de uma violência (não só) virtual. Enquanto utilizava o transporte público foi fotografado sem consentimento e em seguida teve a sua imagem exposta no Facebook com um texto ofensivo. Em tempos de rede, não demorou para que ele descobrisse e expusesse o ocorrido publicamente.

Guilherme é a representação simbólica de todos nós que temos os corpos modificados. A violência que ele sofreu e compartilhou é a mesma que todos nós que temos os corpos modificados sofremos diariamente. Constantemente recebemos olhares de nojo, palavras de ofensa, somos tratados como exóticos em uma tentativa racista de menosprezo. Não conseguimos trabalho, temos o nosso caráter questionado e há casos de agressão física. Somos obrigados forçosamente a ouvir o quanto os nossos corpos incomodam. Existe uma necessidade patológica de exprimirem o quanto nos reprovam.

Sabemos que muitos dirão que temos que estar preparados para isso, como se fosse o preço que temos que pagar uma vez que decidimos interferir em nossos corpos através desses procedimentos. Nós dizemos não! Não temos que pagar por essa conta. Ela não é só nossa e sim de toda a sociedade com sua construção histórica questionável. Não são os nossos corpos que estão errados e sim esse sistema normativo da vida que nos impuseram, que é errado por ser excludente e violento. Esse discurso do “é o preço que se paga” é muito problemático, ele nos faz pensar em todas as pessoas que são culpabilizadas pela agressão que sofrem e isso é muito errado. Temos que pensar em modos de coexistência que não produzam e reproduzam violência. Somos os nossos corpos e se hoje sofremos preconceito por conta daquilo que somos, temos que trabalhar em coletivo para que isso tenha fim.

Vai chegar um tempo em que poderemos dizer que aprendemos a respeitar a alteridade e pluralidade humana. Mas que aprendemos de verdade e não apenas para mostrar que somos aquilo que na verdade passamos longe de ser.

Já sabemos que temos muito trabalho pela frente.

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